Tenho certeza de que, se você planeja contar uma estória, você já tem uma ideia básica do que é essa estória. Se já há uma série de situações e acontecimentos que leva da situação inicial ao desfecho final, parabéns: Você tem uma trama! (ou quase)
Vejamos.
Você quer contar uma estória sobre um tomate que quer saber se é fruta ou legume. Isso é uma premissa, é o princípio. Mas, ainda não é a estória. Então você sabe que depois disso ele vai ao pomar e à horta, e então a uma biblioteca e que no fim ele volta com a resposta. Isso é a estória.
Mas, por que ele precisou ir à biblioteca? Foi de lá que ele trouxe a resposta? Qual a conexão entre esses acontecimentos?
Vamos supor que o tomate nasceu num sítio, e que a plantação de tomates está justamente entre o pomar e a horta. Confuso sobre sua natureza, ele decide investigar se é fruta ou legume. No pomar, é rejeitado, pois todos dizem que ele é usado na salada, e não para fazer suco, e por isso ele decide visitar a horta. Na horta, eles o rejeitam, porque nunca se viu legume ou hortaliça com sementes. Triste, ele ouve um humano dizer que aquilo é um sítio-escola de uma faculdade de agronomia, e que vai estudar na biblioteca, e o tomate decide ir à biblioteca durante a noite. Ao chegar na biblioteca, o tomate descobre que é uma fruta e resolve levar a resposta para a plantação, para que seus parentes deixem de ser párias entre os vegetais.
Agora, todos os passos da estória estão ligados numa sequência de causa e efeito. Você tem um enredo, um plot, ou, como também pode ser chamado, uma trama. Enquanto a estória é o que acontece, a trama é por que aconteceu, é a causa e o efeito que interliga o que acontece. Tecnicamente, é isso.
E aqui eu peço licença para te apresentar uma posição bem pessoal minha. Para mim, a trama é mais do que uma cadeia de eventos mutuamente causados. Para mim, uma trama, para merecer o nome, deve ser mais como a trama de um tecido: Linhas que se entrelaçam, e em que as causas e efeitos de uma linha interferem nas causas e efeitos das demais, sendo também por elas influenciado. Uma linha assim é mais um enredo, e os fios, devidamente entrelaçados, formam uma trama. Assim como existem tecidos simples, compostos, felpudos etc., sua trama pode ser mais simples ou mais complexa. Mas, sob minha perspectiva pessoal, entendo que uma trama é, afinal, um entrelaçado de enredos interdependentes entre si.
Fechados os parênteses do parágrafo anterior, vamos começar a trabalhar com uma trama mais simples, dentro do sentido tecnicamente consagrado, ok?
Agora que já entendemos o que é uma trama, precisamos saber como ela é estruturada. O princípio básico é que uma coisa leva a outra, correto? Então vamos partir da ideia geral, do começo, meio e fim. Acontecimentos grandes e genéricos dão início à estória, ela se desenrola e os acontecimentos do meio levam a um desfecho. Vamos partir a estória?
No exemplo do tomate, Nós temos o começo, onde ele desconhece sua natureza e tem a necessidade de descobrir; esse é o primeiro ato. Em seguida, ele tem toda a sua grande busca, em que ele tenta de todas as maneiras encontrar a solução para seu grande problema; de maneira simplificada, é o segundo ato. Por fim, ele descobre a resposta e leva de volta para toda a comunidade dos tomates, pomar e horta; temos o terceiro ato.
Vamos partir esses atos em pedaços um pouco menores: cada momento do ato inicial, quando você apresenta os tomates, a forma como são tratados pelos demais vegetais, quando um deles se rebela contra o sistema e decide investigar o que afinal eles são, todas essas partes são cenas.
Mas, essas cenas também podem ser partidas em pedaços menores, chamados de beats. Imagine que o tomate sai de casa e encontra sua mãe sendo hostilizada por uma cenoura e uma batata. Ele tenta enfrentá-los, mas não é páreo para eles. Bem, você tem uma situação (a hostilidade), que pede uma atitude. O tomate age, gerando uma consequência que nem sempre é a esperada. Esse é um beat. A consequência de o tomate salvar a mãe, mas, se machucar, é um ponto de partida, o começo de um novo beat. Essa nova condição inicial faz ele decidir mudar uma postura ou atitude, e isso gerará uma nova situação, de forma a conduzir, beat a beat narrativo, até que ele terá vivenciado toda a cena. A sequência de cenas, compostas de beats, fará que ele cumpra o primeiro ato, e a sequência de atos vai levar a concluir a estória.
Esse é o momento que anunciei no capítulo Contando estórias: começo, meio e fim, precisamente quando eu propus que você, ao contar estórias mais compridas, se pergunte sobre cada situação como ela começou (como surgiu o problema: beat), como se desenrolou (o que foi feito para resolver), e como acabou (a consequência dessa iniciativa), repetidas vezes. Eu me referia não mais ao enredo maior, mas, também às cenas, e finalmente aos beats.
Logo, minha recomendação é que você trabalhe da seguinte maneira:
1. Identifique qual é a sua estória;
2. Encontre o que liga os acontecimentos da estória;
3. Pense em que momentos da estória são relativamente independentes uns dos outros, de modo que você pode partir e cada um terá uma pequena estória (esse recorte é meramente didático, ok? Não precisa virar, necessariamente, a separação de capítulos, por exemplo). Você terá as cenas;
4. Pense como cada cena leva à cena que a continuará;Você já terá um enredo claro em mente. Para lhe ajudar a estruturar cada cena, você pode fazer o último nível desse tipo de planejamento:
5. Faça, uma a uma, a avaliação das cenas: como começa, que ação leva à próxima parte, e o resultado dessa ação; como reage-se a essa nova condição e o resultado; e assim siga até concluir a cena.
Você terá sua estória muito bem estruturada nessa altura. Não está contada, mas, está montada, e você poderá perceber vários buracos, incongruências, falhas na narrativa. É um bom momento para pensar em soluções, se fazer novamente perguntas. Às vezes, uma mudança num determinado ponto o obrigará a mudar outras coisas depois, mas, é melhor fazer isso agora do que quando estiver de fato escrevendo, quando poderia terminar perdendo capítulos inteiros, escritos com tanto sacrifício.
Isso também ajudará você a identificar o que está sobrando na estória. Poderá haver cenas ou capítulos que você adore, e que são plenamente desnecessárias para contar a estória. Esse corte na carne poderá salvar seu livro, pois essas cenas repelem grande parte do público, que se sente perdendo tempo. Também lhe permitirá identificar se alguma situação na estória não foi resolvida (ou se não foi resolvida a contento), evitando aquela sensação de pontas soltas que tanto desconfortos causam aos leitores.
Agora, que você tem toda a estrutura pronta, vá lá. Começa a escrever!
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COMO ESCREVO e como isso pode te ajudar
Non-FictionQual é o problema de simplesmente usar a imaginação e tocar fogo (metaforicamente) na caneta (ou o teclado)? NENHUM! MAS, fazê-lo com técnica e planejamento me levou a novos patamares. Quero compartilhar minha experiência com você, que escreve ou pr...