1.4. Tenho que transmitir uma mensagem?

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Em poucas palavras: "o propósito da linguagem é exprimir uma ideia".

Observe que essa frase não diz o que tem que ser expresso (explícito). Pode ser um sentimento que está dentro de você, por que não? Pode ser uma mensagem, ou uma lição de vida. O que quer que seja, haverá algo a expressar. Uma estória não é só uma estória, mesmo que você pense que é.

Mesmo um manual de instruções pode dizer algo nas entrelinhas. Se usa uma linguagem acessível, além de ensinar o que se propõe, também passa a mensagem de que o leitor também é capaz de fazer aquilo que ele ensina. Se, por outro lado, usa uma linguagem técnica avançada transmite a mensagem de que aquela atividade deveria ser feita por um especialista.

E é por isso que é salutar que você saiba o que pretende expressar. Sua intenção pode ser contar apenas uma estória, e nada mais. E se você tem uma boa estória, não se acanhe em soltar o verbo. Vá fundo e liberte as palavras!

Mas, há sempre algo sobre essa estória que vai além do que está sendo contado, algo oculto em suas entrelinhas, e ninguém mais do que o autor ou a autora precisa conhecer isso como a palma da própria mão.

A estória da chapeuzinho vermelho conta sobre uma garota que precisa levar doces para a vovozinha, ela é perseguida e ambas são comidas pelo lobo mau. Mas, se você pensar bem, é uma estória sobre desobediência.

A estória dos três porquinhos conta sobre três irmãos, que constroem suas casas e também são ameaçados pelo lobo mau. Mas, é uma estória sobre preguiça, porque o primeiro porquinho não constrói a casa de palha por falta de recursos para construir uma mais sólida, e sim porque quer se poupar do trabalho; o segundo não constrói a casa de madeira por ser a melhor alternativa para isolar termicamente o seu interior em uma região fria, mas, para não ter tanto trabalho quanto o terceiro porquinho, que faz uma casa de alvenaria, de cimento e tijolos. Essa estória poderia ter muitos desfechos diferentes, mas, pretende deixar claro que o único porquinho seguro é o que trabalhou duro para preparar o próprio futuro. Essa estória poderia ter muitas morais diferentes sobre desigualdade social, ou sobre arquitetura, mas, da forma como foi concebida, ela fala sobre preguiça e, talvez, também sobre planejamento.

A Cigarra e a Formiga, igualmente, conta sobre formigas trabalhadeiras e uma cigarra bonne vivante que nada faz para se preparar para o inverno, e então definha quando o frio chega. Mal contada, pode propagar a falsa ideia de que arte não é trabalho, ou alimentar a falta de solidariedade para com quem precisa de ajuda. Mas, a mensagem é de previdência, da necessidade de se preparar para o futuro.

Se você não cuida da mensagem, é possível que você passe alguma mensagem que não deseja. Como quando Goethe escreveu Os sofrimentos do jovem Werther, uma belíssima obra, por sinal, mas, que não passou a mensagem desejada pelo autor, como ele viria a admitir posteriormente. Como assim? Esse livro terminou por dar início a uma grande onda de suicídios, quando publicado. Goethe, sem querer, passou uma mensagem de romantização do sofrimento e do suicídio. Foi lido como se o suicídio fosse algo bom, ou mesmo inevitável ao mínimo sofrimento. Havia honra ou status em suicidar-se. Mas, afinal, não era essa a intenção de Goethe. Tanto que ele mudou sua abordagem nos próximos livros que escreveu e publicou, não podendo mudar, no entanto, a onda de ultra-romantismo que havia dado início.

E, veja o que estamos dizendo: arrisco dizer que Goethe não mudou suas estórias, nem mesmo o seu estilo! Mas, com certeza, modulou a forma como as contaria. Assim, deixou de alimentar ideias como a do suicídio ou outras com as quais ele não concordasse. Bem, há infinitos outros exemplos, mas, esse último parece-me claro o suficiente sobre por que é tão importante se saber qual é a mensagem de sua estória.

Mas, atenção! A mensagem é um filtro, um guia, uma referência para você não se perder. É comum demais que se cometa o erro gravíssimo de focar tanto na mensagem que sua obra fica excessivamente professoral. Se você está escrevendo um livro técnico, talvez, seja bem conveniente deixar a mensagem totalmente explícita. É fundamental que você alerte claramente coisas como "NÃO FAÇA ESSA EXPERIÊNCIA SEM A AJUDA DE UM ADULTO RESPONSÁVEL!", ou "JAMAIS MISTURE ESTAS DUAS SUBSTÂNCIAS EM AMBIENTES COM TEMPERATURA SUPERIOR A 10ºC".

Mas, se está escrevendo um conto, um romance, uma peça de teatro ou um poema, tenha cuidado para não terminar soando piegas, ou algo assim. Uma peça de teatro infantil que mostra de forma natural e orgânica a importância de cuidar do meio ambiente com certeza cairá mais nos gostos de seu público do que uma peça de teatro que fique repetindo essa ideia, frases de efeito, diálogos forçados ou qualquer outra forma não natural. Ao focar tanto na mensagem, a estória não flui de forma a captar o seu público.

Quando você for escrever uma estória, você deve se perguntar coisas como "o que o protagonista aprende com essa estória?". Não é para responder o aprendizado de novas habilidades ninja do protagonista, mas, a lição de vida, a transformação pela qual sua pessoa teve que passar, para concluir a estória (processo que, veremos, se chama "arco de personagem"). Mas, não precisa se prender a essa pergunta em particular. A pergunta pode ser "a que conclusão espero que o público chegue ao final do livro?", ou mesmo "que dúvida eu quero plantar na cabeça do meu leitor?". Tudo isso é uma mensagem, um parâmetro para guiar sua produção.

Por fim, preciso lembrar que a linguagem está no emissor da mensagem e no receptor. No caso da literatura, no autor e no leitor. Por que digo isso? Uma estória bem conduzida transmite uma mensagem conforme os códigos do emissor. Ter o cuidado de dirigi-la irá aumentar significativamente a precisão da sua leitura, e isso vale muito a pena (vide o próprio exemplo dado, de Goethe). Mas, o leitor terá sempre alguma margem subjetiva, a sua maneira pessoal e peculiar de ler as conotações possíveis do texto. Mais uma vez: um texto bem escrito pode eliminar ambiguidades quando não são a intenção do autor, ou plantá-las quando essa é a sua intenção. E isso pode ser feito com grande margem de sucesso. Mas, sempre poderá haver detalhes que escapem ao escritor. Sua margem de sucesso ao concluir sua produção, como veremos em um outro capítulo desse livro, pode ser analisada conforme ele consegue alcançar seu intento, deixar a mensagem pretendida.

Exercício:
Identifique em alguma estória sua que você já publicou no Wattpad, ou alguma que você pretenda publicar qual é a mensagem que você pretende transmitir e qual é a mensagem que, após reler, você percebe que realmente transmitiu. Dê preferência a textos curtos, como contos. Você pode colocar o link do seu texto aqui no comentário a esse exercício, junto com a mensagem pretendida e a que você identificou. Elas coincidem? Sim ou não? Por que você acha que o resultado foi esse? Irei ler tantos textos quanto puder, comentar lá, e já convido todos a fazerem o mesmo exercício. Quem ler os textos postados nos comentários poderá também comentar sobre quais mensagens conseguiram identificar, principalmente quando for diferente da pretendida ou da identificada pelo autor.

Será que eu tirei sua dúvida sobre esse ponto?

Ajudei ou deixei você na mão? Só saberei com o seu comentário.Mande suas dúvidas, e não esqueça de dar aquele voto maroto! ;-)

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