1.5.2. Contando estórias: começo, meio e fim

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Bem, se você está lendo todo este livro, certamente já viu que eu sou ator, que trabalhei com teatro de improviso e que isso teve forte influência sobre meus contos. Hoje, vamos entender um pouco como isso pode te ajudar. Como sempre, digo, repito e repiso que você não precisa se ater a essa técnica (e é até recomendável que não o faça), mas que possa instrumentalizá-la para fortalecer seu trabalho como escritor(a).

Por óbvio, esse capítulo é mais voltado a você que pretende escrever ficção. Pode, no entanto, ser adaptado também para uso em outros textos, a exemplo de biografias.

Uma das mais gratificantes e nostálgicas experiências que tive em minha vida profissional foi participar do D'improvizzo Gang (DiG, para os íntimos), ainda existente no momento em que eu escrevo. Como dizemos, uma vez DiG, sempre DiG, mas, na composição ativa atual, até onde me consta, o grupo somente preserva seus fundadores Paulo Michelotto e Polly (que saudades desses dois!).

Bem, o que interessa, para este capítulo, precisamente, é como realizávamos as apresentações àquele tempo, e, mais especificamente, o que desta estrutura influenciou minha técnica de escrita, a ponto de poder te ajudar. Vamos lá.

Basicamente, nós trabalhávamos com um conceito minimalista, privilegiando a atuação e a interação com o público, com roupas pretas, e maquiagem branca, para dar neutralidade, sem cenário ou objetos cênicos (quando preciso, éramos nós mesmos esses elementos). As cenas transcorriam não num palco à italiana (caixa cênica mais convencional, com palco à frente, mais alto, e todos olhando na mesma direção), mas, com a estrutura de arena (espaço central com o público distribuído em volta), delimitada por uma corda disposta de forma mais ou menos circular (chamávamo-na de uma palavra que não sei grafar, mas, foneticamente, sei que soa "shiminava"). Antes de iniciar, passávamos um chapéu ou caixinha, ou qualquer recipiente que cumprisse esse papel, para coletar  do próprio público temas para nossos improvisos.

Após a coleta, sorteávamos os temas sugeridos. Surgiam os mais variados temas. Dos mais fofos e infantis ("o ratinho feliz", sugerido por um menino), aos mais abstratos ("amor"), passando inclusive por ideias insólitas ("azul da cor de um tomate", ou "PQP! Meu gato pôs um ovo!"). E nosso desafio naquele exato instante era basicamente, em dois minutos, representar uma esquete (cena rápida, geralmente variando entre 2 e 5 minutos). Tínhamos para começar a cena exatamente o tempo de terminar a cena que estivesse sendo apresentada, então precisávamos superar qualquer "oscilação de inspiração" com uma boa técnica, para não decepcionar nosso público. E essa é a grande sacada!

MONTANDO A ESTÓRIA

Passo 1

Professor Michelotto nos ensinou a trabalhar da seguinte maneira: identifique naquele tema uma situação. Por exemplo, acabo de pedir um tema qualquer para uma pessoa que passou por mim, agora, e ela escolheu "Chapeuzinho Vermelho". Agora, devo tentar identificar algo nessa temática que possa render uma estória.

Há muitas opções. Seguem os primeiros pensamentos que me vêm à mente com esse tema:

a) você pode usar o conto, que já é de absoluto conhecimento do público, e extrair dela alguma situação, como recontar toda a estória famosa de forma satírica, ou pinçar uma cena específica como o fim e recontar de maneira completamente diferente. Por uma questão prática, como o tempo era muito curto para discutir detalhes, e o risco de a improvisação levar a caminhos muito diferentes, geralmente não pegávamos toda a estória, mas, para escrever, você é livre!

b) você pode brincar com a personagem. Antes ou depois da estória famosa, ela pode estar em qualquer situação. Pode ser o momento em que ela ganhou o chapéu que lhe daria a famosa alcunha. Ou ela pode tê-lo perdido e está procurando. Ou ele desbotou e ficou cor de rosa.

COMO ESCREVO e como isso pode te ajudarOnde histórias criam vida. Descubra agora