- vou apanhar agora o comboio - disse - estou aí dentro de meia hora - calculei.
Do outro lado da linha telefónica encontrava-se Emmalyn, a minha melhor amiga desde a sétima classe, e porque? Porque Emmalyn decide ligar-me todos os dias após os meus treinos de ballet e a resposta ao porque desta afirmação é; não sei exatamente. Na verdade eu nem me importava que ela me ligasse, e para ser sincera habituara-me a isso. Se ela não ligasse, isso seria momento de histeria.
Emmalyn comentava cada coisa que via e hoje não era exceção - eu não entendo mesmo como é que as raparigas conseguem utilizar cuecas na rua - com cuecas, sabia eu que ela se mencionava aos mini calções de hoje em dia. Para ela, nada agradáveis.
- Talvez se não olhares seja menos desagradável - sugeri.
- O QUÊ? - gritou literalmente ao meu ouvido. Primeiro afastei o telemóvel mas depois ri-me com os seus queixumes - é impossível não olhar quando te espetam aquilo na cara não achas? Olha lá, tu já apanhas-te o comboio?
No momento que ela me fez aquela pergunta, eu ia passar o meu cartão verde pelo sítio a que ela chama: sítio de acesso porque é ali que validamos o cartão. Passei. E as minhas sapatilhas de ballet decidiram cair. Então apanhei-as, mas quando me virei para passar pelas portas estas fecharam-se à minha frente - só podem estar a brincar comigo! - comentei.
Esquecera-me que tinha Emmalyn do outro lado da linha pois só pensava no que acabei de perder. A minha oportunidade de passar para o outro lado, e para não bastar agora teria de procurar um segurança que provavelmente rir-se-ia na minha cara - Mayen? O que aconteceu? - já irritada avisei-a de que ia desligar e que mais tarde voltaria a entrar em contacto com ela. Talvez fosse a minha única chamada na cadeia. Levada à realidade do exagero ri-me com a minha hipérbole. Se chegasse a ter alguma chamada eu ligaria obviamente ao meu pai.
Pensei na possibilidade de ir a pé e chegar a casa as cinco da manhã morta e explicar tudo aos meus pais depois, ou na hipótese de procurar alguém que me deixasse passar com ela ou simplesmente carregar novamente o cartão com mais um euro e oitenta e cinco que por acaso não tinha mas talvez se eu chorasse alguém podesse sentir empatia e me ajudasse. Quando me começava a passar com as possibilidades e quando elas passaram a partidas e brincadeiras da minha mente, um rapaz de olhos cinzentos enormes chegou-se perto de mim e ficou a fitar-me. Apetecia-me perguntar-lhe o que raio queria quando ele perguntou primeiro:
- Precisas de ajuda? - olhei para ele. Olhei para as portas. E novamente para ele. Ok, ele estava a oferecer-me ajuda. Quando ele me viu confusa, parece que tentou outra abordagem - you need help?
Ri-me durante segundos e pus-me séria, ou pensei eu estar séria: - Eu falo português. - sorri. Ele pareceu aliviado pois soltou um "ahh" e riu-se. - e sim, preciso por favor.
Ele pediu-me para me por à sua frente e foi o que fiz, pegando desta vez com força suficiente em tudo o que tinha inclusive a mala e as sapatilhas. Passou o cartão no sítio de acesso e eu literalmente corri para dar tempo de ele passar, mas ele gritou um não e antes que pudesse olhar ele levou com as portas. Lado positivo é que ele tinha passado para o lado de cá. Riu-se e olhou para mim dizendo - nunca se deve correr, pois o sensor quando deteta uma pessoa a passar ele fecha automaticamente.
Vi o a massajar o braço e senti-me mal. Não fazia ideia que era assim, pensei que as portas tinham um tempo próprio afinal eu não passei e as minhas fecharam-se.
Pedi-lhe umas desculpas sinceras e ele aceitou-as com um sorriso e disse que não tinha problema. Simpático e giro. Pus-me a caminho do comboio antes que o perdesse e ele fez o mesmo. Caminhando ao meu lado e a olhar para mim e depois desviando o olhar e rindo-se. Estava a meter-se comigo. Tinha visto muitos filmes para ver como era, mas nunca tinha sido a protagonista pelo que me senti tentada a fugir. O que devia fazer agora? Sorrir? desviar uma madeixa de cabelo e olhar diretamente para os seus olhos? Aquele par de olhos pedra e chamativos? Não. Detestava quando olhavam diretamente para mim, não por esconder algo, mas mesmo por não gostar simplesmente que olhassem para mim; sentia me sempre como se estivessem a imaginar-me nua. Não perguntem porquê, mas é desconfortável. Decidi então olhá-lo e desviar. Um toque de interesse mas não demasiado assustador. Cheguei a uma das portas do comboio e subi lá para dentro. Ele continuou a andar e olhámo-nos pelas janelas do comboio. Depois sentei-me e não o consegui ver mais.
O comboio começou a andar sem aviso já com as letrinhas a passar Destino: Sintra 09/12/2014 20:19 18º C. Uma coisa era certa, não estavam 18º C mas sim uns 13º C.
Depois de apanhar este comboio teria de andar mais uns dez minutos até a casa de Emmalyn para dormir lá o fim de semana. E supostamente estudarmos para o último teste de física do período. Na verdade isso era mentira, o teste foi à dias atras. Emmalyn e eu queriamos simplesmente passar algum tempo juntas e em tempo de escola era impossível pois estávamos em turmas direfentes, horários diferentes e ocupações diferentes.
Depois teria que ter o meu telemóvel sempre ligado, o que não seria díficil, pois a minha mãe iria ligar-me de 15 em 15 minutos para confirmar que não vendi nenhum órgão.
Como que a adivinhar recebo uma chamada e não é de surpreender que venha de um telemóvel de marca IPhone dourado e... com nome correspondente a Dona Miriam Imogen, a minha mãe.
- Sim mãe linda do meu coração - não era graxa nem tentativa de pedir algo, era mesmo um diga mãe simpático e agradável vindo de uma filha - porque me ligas?
- Onde estás?
- No comboio, uns vinte minutos para chegar a Benfica a contar com o caminho a pé.
- A pé? Não vais apanhar o autocarro? - mães.
- Já tenho dezassete anos mãe, posso bem ir sozinha - confortei-a - além disso não é longe.
- Querida tens desaseis anos, só porque fazes dezassete dentro de doze dias não significa que possas fazer uma tatuagem quando te apetece - a minha mãe usava metáforas, digamos, interessantes para se exprimir. A maior parte das pessoas não as percebe e não é de sensurar. Mas vala vivo com esta mulher desde o dia em que nasci e comecei a perceber a sua linguagem por volta dos meus sete anos de idade. Era a sua maneira querida de dizer: tens desaseis anos e acabou-se; não penses lá que só por estares a crescer não me vou preocupar e mais importante de tudo: nunca farás uma tatuagem enquanto estiveres no meu teto. Mas nunca mencionou nada sobre piercings - liga-me mal chegares ouviste?
- Sim mãe - era impossível não ouvir - eu ouvi.
Quando a minha mãe começou a pedir certezas olhei em frente e vi o rapaz de olhos cinzentos. Como é que ele entrou nesta carruagem sem eu ver? Estava com ar descontraído como se mais nada importasse, e talvez não importasse mesmo. Sentou-se num banco vazio e mirou(fitou) o lado de lá. Tinha um ar inocente e habitante de sardenta. Era, como Emmalyn diria, tão fofo com aqueles olhos cinzentos e a presença de covinhas quando sorria. Parecia que o seu olhar brilhava e combinava com o seu cabelo loiro espetado para cima, gel pensei. Enganei-me, ele não era giro. Ele era notavelmente e absolutamente lindo. E falou comigo... oh meu deus! Ele falou mesmo comigo. Um rapaz com estilo beto e loiro falou comigo e mais que tudo: ele ajudou-me. Estava a delirar quando a minha mãe me empurra de novo para a realidade:
- Mayen estás a ouvir?
Eu com certeza não tinha ouvido, mas por vezes não tem mal dizer que - sim.
Estava quase a chegar a Benfica por isso avisei a minha mãe que teria de desligar e que ligaria quando chegasse ao meu destino, a casa de Emmalyn.
Se não me esquecesse.
Não pude evitar olhar novamente para ele. Ele estava a olhar para mim quando me levantei e exprimiu um sorriso. Derretida sorri em resposta. Bolas tão sexy.
Quando o comboio se afastou, ele ainda olhava para mim.
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Desperta-me || Pausa
Lãng mạn"Não podes permitir que as pessoas vivam num mundo onde tu não existes"