Há medida que me aproximava mais forte se tornava. Cada nota era mais audível e melhor que a anterior. Ouvia Philip chamar-me e Emmalyn a perguntar-me onde estava eu a ir, mas eu não me importei; continuei o meu caminho até lá. Lá que não sei onde é mas que queria descobrir desesperadamente. Percorri o corredor lateral inteiro e virei para a esquerda para o pavilhão de instrumentos onde os alunos de música treinavam para os seus concertos/espetáculos. Ao aproximar-me não pude evitar sorrir. Este instrumento é tão meu conhecido - eram notas de um piano clássico. Tocar piano, uma lembrança de infância. Não, não o sabia tocar - pelo menos tão bem como gostava - mas era impossível esquecer quem sabia. O meu pai sentava-me todos os dias ao seu colo enquanto tocava lindamente. Lembrava-me de colocar as minhas mãos por cima das suas e sentir as notas, uma a uma. Com o tempo, o meu pai foi parando e eu triste não comentava. Com as minhas aulas de ballet não teria tempo de qualquer das maneiras pelo que nunca aprofundei esta minha paixão. Secreta ou não, ao ouvi-lo novamente senti um aperto no coração. Com um nó na garganta senti-me arrependida por apenas saber tocar uma melodia.
Começou a soar de algum modo mais distante. Cada passo que eu dava menos conseguia eu ouvia. Mas que raio? Este corredor nunca mais acaba que coisa. Nunca conheci este lado do ginásio e não me lembro de ele se prolongar tanto. Sabia que era grande mas não tanto. Deus me valha. Comecei a cansar e parei de andar. Em frente estava a porra do mesmo corredor; mas no escuro. Podia não ter medo do escuro, mas isso era para além de assustador. Nem pensar que eu vou por ali. Ri-me e virei-me para percorrer o caminho anterior. Estagnei. Que porra? Senti as minhas pernas a tremer quando os meus olhos se encontraram no mesmo caminho escuro. Voltei a virar-me e... eram idênticos. Senti pavor e o meu sangue a aquecer. Decidi fechar os olhos e correr em frente. Corri sem olhar para trás. Através da escuridão como um relâmpago sem luz. O CAMINHO NÃO MUDA BOLAS? Abri os olhos e senti-os molhados. Eu estava perdida. Mas ainda agora estava no corredor de música. O medo tomou conta do meu corpo que não conseguia parar de correr. Porque está tudo tão escuro? Porque parece que isto nunca mais acaba? Não é possível ser tão longo; NÃO É POSSÍVEL MERDA! Senti-me a embater contra algo e fechei os olhos novamente. Tinha a respiração acelerada e o meu coração por um fio. Sentia-me a transpirar e cansada. Levei as mãos à face e senti-as logo molhadas. Só reparei agora que tinha as bochechas encharcadas. Merda, merda, merda.
Tinha medo de abrir os olhos e sentir como se não o tivesse feito. Senti então algo frio tocar-me e o meu corpo respondeu por si. Bati-lhe com tanta força quanto conseguia. Escuro e agora frio. Mas que porra Mayen! Que se passa contigo? Continuava sem conseguir respirar e os meus pulmões debatiam-se entre eles - deixá-la viver ou parar-mos de lutar? - pensavam eles.
Aquele toque outra vês. Mas não percebeu da primeira vez? LARGA-ME!
- Fodace miúda! - Uma voz? Para. Para de imaginar coisas Mayen já chega está bem? PARA. Abre a porra dos olhos e encara. Abre a porra dos... olhos.
- Quem és tu? - Perguntei quando me encontrei em frente a um rapaz com enormes olhos azuis esverdeados sentado em frente a mim. Carregava na sua face um ar chateado e de poucos amigos. No entanto, não pude deixar de reparar nas suas feições perfeitas. Aqueles olhos eram incríveis. Nunca vi igual. Sustinha sinais na cara. Que de alguma forma lhe ficavam bem; não conseguia parar de olhar para o seu sinal por cima do lábio que de algum modo conseguia ser (tão)... perfeito. As suas sobrancelhas carregadas e os seus lábios avermelhados como se o sangue se concentrasse naquele mesmo lugar. O seu cabelo preto não continha gel, o que o deixava ao natural e tão atraente. Despenteado e para cima no entanto demasiado curto para ter o estilo do rapaz do comboio. Não pude deixar de reparar nos seus dois alargadores; nem demasiado grandes, nem muito pequenos - só notáveis. Senti o meu rosto aquecer com a aproximação.
- Qual é a puta do teu problema? - Pergunta-me olhando-me nos olhos. Bolas cara, para de aquecer.
- desculpa, eu não te vi - respondi envergonhada. Não tinha exatamente a culpa. Num momento não via nem uma sombra e agora via tudo tão claro. Olhei ao meu redor. Para além dele, a sala continha instrumentos de teclado que iam do piano ao xilofone. Ainda continuava no corredor de música... como entrei nesta sala? A minha cabeça começou a andar à roda.
- Não admira, entras de rompão na minha sala e ainda me bates - queixa-se. Esqueci-me completamente que lhe bati. Olhei para ele e preparei-me para me desculpar, mas por alguma razão não consegui. Ele pareceu irritar-se ainda mais - saí da minha sala - ele disse.
Oh. Ouch?
- Escusas de ser rude, não entrei de prepósito - levantei-me. Ele pareceu seguir os meus movimentos e olhar-me novamente. Quando me comecei a sentir nervosa ele desviou o olhar e...
- Desaparece.
Argh! Cala a boca meu Deus! Era necessário? Ser-se assim? Comecei a sentir-me irritada, envergonhada, estúpida e com um nó na garganta. Ele nem me perguntou se eu por acaso estava bem. Quer se dizer, eu não me ia por a chorar, bater e entrar na sua sala de prepósito não acha? Que anormal.
Lancei-lhe o meu melhor olhar de "vai te lixar" e virei-me. Mas antes de andar voltei a paralisar. E se por detrás desta porta existisse o vazio? E se quando eu saísse daqui, eu... voltasse para lá. Aquilo que eu não sabia, aquela coisa, aquele frio, aquele escuro, aquele qualquer coisa. A minha pulsação começou a acelerar e a minha mente entrou em pânico. Subconsciente, preciso dos teus insultos, por amor de Deus distrai-me.
- Precisas que te ensine a andar?
- Preciso que te cales - disse. Não sei porque falei daquela maneira. Esta sensação de pânico não me fazia nada bem. Não queria ser rude, mas bolas este rapaz estava a irritar-me.
Senti dois dedos a tocarem-me no ombro direito pelo que olhei para trás. Ele tinha um ar gozão e aquele sorriso de lado tão... irritante - correção: adorável. Fez um gesto de mão para que eu me virasse totalmente para ele e assim o fiz. Olhou-me fazendo-me sentir observada. Num impulso puxei o meu cabelo para trás - se pareceres nojenta por causa dessa tua ideia a culpa é tua - que amor. Descruzou os braços e aproximou-se de mim, da minha cara, do meu corpo, de mim toda. Congelei e não pude desviar o olhar daquele safira vazio. Ele carregava um sorriso que alargava cada vez mais que se aproximava e o meu coração - juro - parou de bater.
Foi então que ouvi um click vindo de trás e a sua voz:
- Porta aberta, viras-te, andas e fechas - sorri não se afastando. Tinha a cara a uns dez centímetros da minha. Sentia-me envergonhada e senti-me a aquecer - que raio? - Não é de todo difícil - ele disse. Quando se afastou e voltou a cruzar os seus braços podendo vê-lo num ângulo melhor, reparei nas suas tatuagens. Ele tinha imensas bolas. Cobriam os seus braços todos parando nos pulsos e desaparecendo por de baixo da sua t-shirt preta. Por algum motivo achei-as interessantes. A verdade é que as achei mesmo interessantes. Não compreendia bem o desenho no entanto. Percebia só as suas rosas vermelhas, rosas, de várias cores. Era de facto uma tatuagem enorme, mas sem dúvida linda. Era difícil não olhar - e não imaginar o resto que se esconde por baixo da sua t-shit.
Abanei a cabeça deixando os pensamentos voarem com o ar que eu esperava acompanhar-me - sim, porque eu não o sentia - arranjei a coragem certa para virar nos meus calcanhares e abandonar aquelas feições perfeitas; mas no entanto estrangulá-las passava-me pela mente.
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Desperta-me || Pausa
Romance"Não podes permitir que as pessoas vivam num mundo onde tu não existes"