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Nada voltaria a ser como antes. 

Esse é o tipo de jornada que, para ser traçada, torna-se necessário — tão quanto um instinto de sobrevivência, se não mais latente — esquecer. Infelizmente, a jovem Destiny não tinha problemas de memória. Neste caso, o que se torna necessário é a dor. Uma dor mais latente que as costelas fraturadas irradiando dor ao longo de seu corpo juvenil. Mais latente que todas as dores físicas juntas.

A dor a lembraria dia após dia do que havia perdido. Sua infância. Sua juventude. Suas vivências. Sua mãe. Seu pai. Pessoas que poderia ter conhecido, mas nunca chegou a sair de casa para conhecê-las. A dor também a lembraria sobre as mentiras de Laurence Kish. A mulher que deveria ter ficado ao seu lado até o último segundo para protegê-la, mas nunca o fez veementemente — era o que Dest achava —, caso contrário, poderiam ter fugido juntas. Poderiam ter dado um jeito. E o seu pai? Como pôde ter demorado tantos anos para contatar a filha? Só porque em sua visão dezesseis anos atrás vira a vida inteira de Destiny e, por conta disso, acreditou que as coisas deveriam acontecer exatamente da forma que viu? Puff, já é patético pensar sobre isso, imagina dizer em voz alta - pensou Kish. 

Compaixão. Amor. Empatia. Esses três sentimentos a jovem aprendera apenas com a mãe, já que era a única pessoa com quem tinha um real convívio. Quando se tem sentimentos intensos por uma única pessoa e se descobre que esta pessoa em específico mentiu para você sua vida inteira, é fácil aniquilar esses sentimentos, pois não se tem mais ninguém com quem exercitá-los. Tudo o que resta é rancor e mágoa — mas muito mais rancor. 

Destiny havia se tornado alguém sem compaixão, amor e empatia. Foda-se se Laurence estava viva ou morta. Foda-se se seu pai sabe tudo o que vai acontecer em sua vida, ainda sim, ele não sabe o tanto de vezes que a própria filha está o mandando se foder nos pensamentos. 

Brenner queria testá-la e aperfeiçoar seus dons, bom. Bom, não, ótimo. Quanto mais dor e mais angústia sentir, mais rápido esquecerá — sem sofrer de uma doença que lhe cause problemas na memória, apenas sentindo o indelével sofrimento — tudo o que ficou para trás. Tudo o que irá viver e sentir será baseado no que aprenderá agora, neste momento. Destiny, em seus pensamentos, conversando consigo mesma, decidiu-se; conteria sua língua sarcástica e falaria apenas o necessário. Seus pensamentos caóticos pareciam-lhe mais interessantes do que tentar ser morta a cada minuto que se arrastava. 

O corpo de Kish estava mole no assento de madeira polida. Quando abriu os olhos, Brenner estava sentado na cadeira ao lado oposto da mesa, fitando-a atento. 

— Parece que hoje não é o dia do seu enterro, afinal — disse frio, levantando-se do assento. 

Em silêncio, Destiny ficou. O que tinha acabado de vivenciar com seu pai fora tão real quanto a raiva que sentia pelo esqueleto pálido em sua frente. A jovem, cansada e confusa, repassava a conversa intensa que havia tido com Klaus. Queria vê-lo novamente. Queria fazer mais perguntas e, no espaçamento entre elas, xingá-lo por ter ligado à Laurence e convencido a mulher a abandonar a própria filha. Era como se ele tentasse ser o narrador da vida de Destiny, escolhendo o que aconteceria ou não. Kish queria poder vê-lo de novo, mas não para lhe abraçar e chorar. Queria vê-lo para confrontá-lo com afinco.

Os olhos de Slenderman a fitavam com curiosidade. Por que raios a garota, cujo desde o dia que fora tirada do confinamento até algumas horas atrás, abria a boca de dois em dois segundos, destilando todo seu ódio e medo com sarcasmos e ironia, mas agora estava quieta e reservada? - o esquelético se questionou. Brenner se deu conta, naquele instante, que preferia Twenty Eight estilando seu usual tom sarcástico do que permanecer em completo silêncio. Os silenciosos são sempre os mais traiçoeiros, pois nunca se sabe no que realmente estão pensando. Nunca se sabe qual sentimento estão nutrindo. 

Push me Harder ✧ Stranger ThingsOnde histórias criam vida. Descubra agora