— Posso me sentar aqui, amiguinha?
Eu ergo os olhos. Paula está parada na minha frente, apontando para uma cadeira ao meu lado na mesa da cozinha.
— Pode, claro — digo, e puxo a cadeira para perto de mim.
Ela se senta. Estamos sozinhas nessa parte da casa - os outros estão malhando, terminando de fazer seus Raio X e pegando sol.
— Por que você está aqui sozinha?
— Só vim tomar água — eu respondo, e balanço o copo na minha mão. Eu oculto o fato de minha garganta estar ardendo desde ontem.
— Ah — ela diz. — Eu não te achava em lugar nenhum lá fora.
Me remexo na cadeira, sem deixar de sorrir por dentro ao imaginar Paula me procurando pela casa, mas trato de espantar o pensamento com a mesma rapidez que ele surgiu.
— Pode ir lá fora, eu já vou — eu digo.
— Não, eu fico aqui com você. — Ela aponta para o copo de água. — Tá cheio ainda.
Eu pego o copo e olho para dentro dele.
— É que eu enrolo pra tomar água. Não gosto.
Paula ergue uma sobrancelha.
— Mas tem que tomar! Tá doida, Hariany?
Eu levo um susto quando ela pronuncia meu nome e derramo um pouco da água em cima da mesa. Paula me encara com seus enormes olhos azuis, e as bochechas dela coram.
— Ah, merda! Seu nome não é Hariany? — Ela começa a secar a água com a blusa. —Desculpa, sou péssima com nomes.
Eu rio.
— Não, é Hariany mesmo. Mas você falando Hariany parece minha mãe quando briga comigo.
— Quer que eu te chame do que, então?
Eu dou de ombros.
— Pode me chamar de Hari.
— Tá bom, Hari — ela pronuncia exageradamente as sílabas do meu nome e ri. A risada dela é o tipo de som que dá vontade de ouvir o tempo inteiro.
— Oxe, já passamos um dia inteiro juntas e você ainda não tinha certeza do meu nome? — eu pergunto.
Suas bochechas ficam ainda mais vermelhas.
— É que até agora eu só tinha te chamado de amiguinha, uai. Fiquei com medo de ter me confundido — ela diz. — E nem sei se você quer ser minha amiguinha.
Meu coração se encolhe com o que ela diz, e eu me assusto comigo mesma. Como é possível eu sentir tanto afeto por uma garota que conheci ontem? Vai com calma, Hariany.
— Lógico que quero, né — eu falo, e me interrompo com um acesso de tosse.
Ela estende o copo de água para mim.
— Termina logo.
Eu obedeço e faço um esforço para terminar o copo de água. Minha garganta está coçando.
— Você acha que estou muito rouca? — eu pergunto. — Sei lá, minha garganta está doendo um pouco.
— Olha, sua voz está igual a ontem, mas eu te conheci ontem — ela diz.
Porra, Hariany. Ela vai achar que sou idiota.
— Ai, é verdade — eu falo, e ela cai na gargalhada. Eu começo a rir também, mas acabo me engasgando e caindo em outro acesso de tosse, o que faz Paula rir mais ainda.
A gente ri por uns longos segundos, segundos que parecem infinitos. Quando eu finalmente paro para puxar o ar, Diego entra na cozinha.
— O que vocês estão fazendo aí sozinhas? — ele pergunta.
— Estou me certificando que Hari vai tomar esse copo de água inteiro — Paula diz, e me olha como se eu fosse uma criança de cinco anos.
— Então termina logo — Diego fala. — Vamos começar o Big Voice Brasil.
Eu dou o último gole na água e me levanto para jogar o copo na pia. Paula se levanta também, e nós seguimos Diego pelo jardim.
Todos estão juntos lá fora, reunidos em uma rodinha em volta de três cadeiras.— Venham, meninas! — Carol grita. Nós nos juntamos a ela e a Isabella.
Diego se senta numa das cadeiras; Maycon e Gustavo o acompanham.
— Quem vai começar? — Maycon pergunta.
Por algum motivo que nunca vou compreender, todo mundo olha para mim.
— Vai, Hari! — Hana grita.
— Ai gente, por que eu? — eu pergunto.
— Vai, amiguinha —Paula diz. Ela apoia uma mão encorajadora no meu ombro, e eu engulo em seco.
— Só vou se você for — digo.
Ela se levanta e me puxa pela mão, enquanto todo mundo nos aplaude. Nós pegamos cabos de vassoura para fazer de microfone.
Eu abro a boca para perguntar que música a gente vai cantar, mas Paula começa:— Piririn, piririn, piririn, alguém ligou pra mim. Piririn, piririn, piririn, alguém ligou pra mim. Quem é?
Ela mesma cai na gargalhada com a própria voz. Eu entro na onda, e digo:
— Sou eu Bola de Fogo, o calor tá de matar. Vai ser na praia da Barra que uma moda eu vou lançar.
— Vai me enterrar na areia? — Paula canta.
— Não não, vou atolar.
— Vai me enterrar na areia?
— Não não, vou atolar.
— Tô ficando atoladinha, tô ficando atoladinha, tô ficando atoladinha — ela grita, e começa a rebolar do meu lado.
— Calma,calma foguentinha — eu falo com uma voz grossa, e nós começamos a rir de novo. Por um momento, parece que não tem ninguém mais naquela casa. Só nós duas. No nosso próprio mundinho.
De repente, Paula me abraça. É tão inesperado que por um momento eu congelo, mas então retribuo o abraço, e um sentimento de segurança me invade. Não sei exatamente o que está acontecendo, mas sei que é especial.
— Vocês vão perder mesmo esses talentos? — Paula pergunta para Maycon, Diego e Gustavo, que continuam com as cadeiras viradas de costas para a gente.
— Vixi, não conseguimos conquistar — eu digo para Paula.
— A gente não conquistou os jurados, mas conquistou o Brasil — ela diz, e dá uma piscadinha.
— Você acha, é?
— Tenho certeza — ela diz. — Vamos cantar outra!
E então ela começa a puxar Medo Bobo. É uma das minhas músicas preferidas. Eu fecho os olhos e começo a cantar, e nossas vozes se misturam na música.
Ah, esse tom de voz eu reconheço
Mistura de medo e desejo
Tô aplaudindo a sua coragem de me ligar
Eu pensei que só tava alimentando
Uma loucura da minha cabeça
Mas quando ouvi sua voz respirei aliviado
Tanto amor guardado tanto tempo
A gente se prendendo à toa
Por conta de outra pessoa
Só da pra saber se acontecer
É, e na hora que eu te beijei
Foi melhor do que eu imaginei
Se eu soubesse tinha feito antes
No fundo sempre fomos bons amantes
É o fim daquele medo boboQuando abro os olhos, está todo mundo nos olhando, e as três cadeiras estão viradas para frente. Paula dá uns pulinhos de alegria e faz uma cara de sapeca. Parece uma criança de dez anos ganhando um concurso na escola. Eu rio da felicidade dela, e trato de pôr um fim em todos os medos bobos que estavam rondando minha cabeça ontem.
Porque agora eu tenho certeza de que, enquanto a Paula estiver aqui comigo, vai ficar tudo bem.
E eu não me importo que seja cedo demais para afirmar isso.
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Ayla
FanfictionO que acontece quando duas vidas completamente diferentes se entrelaçam? Será que uma amizade construída em um reality show consegue ser mantida no mundo real? E se não for mais amizade?