Capítulo 10 - Um anjo na Terra

470 38 6
                                    


Hoje os olhos dela estão impossivelmente azuis, o tipo de azul que hipnotiza e faz com que eu me distraia da conversa a cada segundo.
Não sei se essa mudança de cor se deve ao fato de que ela estava chorando mais cedo, ou se é porque ainda sinto na pele o efeito da nossa briga e aprendi a valorizar cada pequeno detalhe nela; mas a verdade é que algo mudou dentro de mim... É como se o mundo tivesse ficado mais colorido desde que fizemos as pazes.

— Tá me olhando assim por quê? — Paula me pergunta, com um sorriso torto.

Estamos no Almoço do Anjo. As bochechas dela ainda estão marcadas pelas lágrimas de emoção ao ver vídeos da família e de Pippa. Eu sempre soube o quanto ela é forte, mas quando vi ali os rostos mais importantes de sua vida, percebi do que ela é capaz para proteger e ajudar quem ama. Sei que ela só está aqui por eles, para dar uma vida melhor a eles. Ela não se importa com fama ou seguidores. Ela só quer os prêmios. Quer ver o sorriso no rosto da família.

— Por nada — eu respondo. — Só estou aqui pensando...

— Pensando no quê? — Ela me lança um olhar preocupado. — Não gostou da comida?

Eu rio.

— Não, não é isso. A comida está maravilhosa.

— Então o que houve?

Eu me remexo na cadeira.

— A Pippa — digo. — Ela é enorme, né? Como é que você consegue cuidar dela?

É a mentira mais tola que já inventei na vida, mas os olhos dela brilham daquele jeito especial que só Pippa consegue fazer brilharem, e isso soa convincente.

— Ela é meu neném — Paula diz. — Eu sabia que você ia gostar de vê-la. Vocês se parecem, sabia?

— Fico lisonjeada com o elogio — eu comento.

Ela dá uma gargalhada suave, e faz um carinho na minha mão. Eu sinto todo o meu corpo tremer com o toque, e me surpreendo com minha própria reação.

— É sério! Ela é igualzinha a você, faz até aniversário quase no seu dia.

Tento acompanhar a conversa ao mesmo tempo que tento entender o que está acontecendo comigo. Eu não devia me sentir assim. Quando foi que as coisas mudaram?
Pelo amor de Deus, Hariany, digo a mim mesma. Vocês acabaram de voltar de uma briga. Não vá estragar tudo de novo.

— Será que ela vai gostar de mim quando eu for conhecê-la? — eu pergunto, tentando me imaginar num chiqueiro com uma porquinha gigantesca e pensando na infinidade de acidentes que eu, um desastre ambulante, poderia causar nesse encontro.

— Claro que vai, não tem como alguém não gostar de você — ela diz.

Eu desvio os olhos dos dela. Está difícil de me concentrar.
Digo a mim mesma que estou me sentindo assim por conta do medo da perda. Não quero passar pelo que eu passei de novo. Não quero brigar com ela, não quero ficar longe, não quero fingir outros beijos ou pensar nos problemas que vou ter quando sair daqui.

— Nem acredito que consegui ganhar esse anjo — Paula diz, me trazendo de volta à realidade.

— Pra quem você vai dar? — eu pergunto.

Ela me olha com uma sobrancelha erguida, e ri.

— Você acha mesmo que tem a possiblidade de eu dar para outra pessoa, depois de brigarmos por causa do jogo?

— Não precisa relembrar a briga — eu resmungo. Queria saber o que ela ouviu na cozinha que a deixou tão chateada, mas ela não quer me contar.

— Nós estamos sozinhas aqui — ela diz. — Eu por você e você por mim, até o fim. Entendeu? Até o fim.

— Até o fim — eu repito, e sinto uma lagrimazinha escorrer pela minha bochecha.

Subitamente penso madrugada que passamos juntas na grama do jardim, e me lembro do que eu pensei sobre anjos que vivem na Terra. Será que essa menina tem noção do bem que faz a mim?

— Ei, vamos comer a sobremesa — ela diz, erguendo um copinho de mousse de chocolate.

Eu estendo o meu copinho também, e nós fazemos um brinde. Eu pego um aro de enrolar guardanapo e mostro a ela.

— Aceita se casar comigo?

Paula me olha daquele jeito atravessado e sapeca, e ri.

— Claro que aceito — ela diz, e estica a mão. Eu coloco nosso "anel" nos seus dedos, e ela faz o mesmo comigo.

— Pronto, estamos casadas — eu digo, e nós entrelaçamos nossas mãos com as novas alianças.

Meu coração bate mais forte agora. Não sei o que está acontecendo comigo. Nunca me senti assim antes.

— Ei, vamos no balanço? — Paula diz, de repente, se levantando da cadeira onde estava sentada. O mousse de chocolate fica inacabado na mesa.

Eu assinto e a sigo, e nós nos aninhamos no balanço-poltrona. Seu cheiro adocicado invade as minhas narinas, e pela primeira vez reparo no modo como seus olhos se enrugam nos cantinhos quando ela sorri.
Ela deita a cabeça no meu ombro, e seus cabelos fazem cócegas em mim. Nós começamos a cantar Medo Bobo quase ao mesmo tempo, e rimos de nossa sintonia.

Eu fecho os olhos, prometendo a mim mesma que vou aproveitar cada segundo desse momento que deveria ser eterno.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Sep 19, 2019 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Ayla Onde histórias criam vida. Descubra agora