A garota sob a capa

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     Era uma vez, uma garotinha meiga e frágil, que amava a sua doce avó. Em um dia escuro e agourento, um lobo a enganou para que seguisse o caminho mais longo. Então ele lhe devorou a avó, e toda a doçura e sonhos que habitavam sua alma infantil.

    Essa era uma história que todos os pais já contaram a seus filhos alguma vez antes de dormir, mas que, na real, não era de muita serventia. Todos condenavam o lobo, claro. Ele era cruel e ardiloso, e a menina era ingênua. Mas, idependente de quantas vezes se tenha ouvido as mesmas linhas, sobre as mesmas pessoas, a mensagem final não era absorvida como deveria: NÃO CONFIE EM ESTRANHOS.

      A coisa mais importante que a garota sob a capa vermelha sabia sobre si mesma, era que era uma farsa. Tudo nela, desde as características mais profundas, até as mais superficiais, como a roupa e a máscara. Sentia-se vestindo um outro corpo.

      Sempre adorara o vermelho. Era a cor da vida, do sangue, da força e do poder. O fogo mais brilhante e vívido, e a exata tonalidade de quando o sol está se pondo. Era a cor dos magníficos, e definitivamente, a garota gostava de se sentir assim.

      Ela viu o rapaz no escuro antes mesmo que ele a visse. Ele era negro, com os olhos atentos e vivos, brilhando de curiosidade. Mas não foi isso que chamou a atenção dela. Ele tinha algo que ela reconheceria até embaixo d'água. A fome por poder e glória, e a necessidade de reconhecimento. Isso não era uma característica exclusiva dos vencedores?

      Usando uma parcela mínima do poder que tinha, ela fez com que todas as moléculas da parede se desmontassem, fazendo tanto barulho quanto era possível. E olhou para ele, diretamente, observando cada parte de sua reação. Sim, ele estava assustado e perplexo, mas também estava curioso, e isso era uma das melhores coisas que poderia dar a ele naquele momento.

      Deixando-o para trás, ela desceu a escadaria de pedra, e se reuniu com as bruxas que sabia que estariam lá. Recebera instruções claras e precisas sobre tudo e, ao final do dia, já teria cumprido parte da ordem final.

     A inexperiência das garotas, apesar de estarem aprendendo com uma bruxa já formada, doía na alma.

Estavam com medo e desorientadas, esperando por uma luz salvadora que as acolheriam e dariam uma esperança para o futuro.
Iludidas pela inocência da menininha do chapéu vermelho da história original, a garota estava vendo-as repetirem exatamente o mesmo erro dela. Não pareceram perceber a ironia do fato. Estavam seguindo um lobo usando uma capa vermelha.

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