Esconderijo

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Havia duas desvantagens em procurar uma coisa secreta á noite. A primeira era a luz. Em casas antigas, a luminosidade não durava mais do que algumas horas, e Céllie começara a perceber a luz dentro da flor de vidro devanescer lentamente, lançando sombras mais esguias sobre as caixas abertas.

Uma cadeira de veludo azul escuro estava encostada em um canto da parede, com o espaço para sentar coberto por teias de aranha e grânulos de poeira. Ao lado dela, havia um vaso de flores de prata amassado nas pontas, e um baú de madeira discreto, metido por debaixo de várias bolsas  desbotadas e sujas.

Não havia nem sinal de uma chave, fechadura ou alavanca que abrisse a passagem que Céllie tinha certeza que havia ali. Os tijolos tinham sido colocados tão juntos, que nenhuma rachadura era visível, nenhuma em formato de porta, como a garota desejava.

Céllie afastou a cadeira com cuidado, mas o jarro de prata estava no meio, e caiu no chão com um tinir alto que poderia chegar facilmente até os ouvidos atentos de Charlie.

— Droga! — praguejou baixinho, agarrando o jarro e colando-o ao corpo, como se isso pudesse apagar o som alto que ele emitira ao cair. Estava ali a segunda desvantagem: clara e reveladora. O barulho.

Colocou o jarro sobre a cadeira azul e se pôs a retirar as bolsas de cima do baú velho. A fechadura dele era minúscula, da cor de cobre e com o formato octagonal. Assim como no caso da porta, não havia nenhuma chave aparente para ele.

Céllie pegou a caixa de madeira com dedos cuidadosos e a sacudiu levemente, colando o ouvido na superfície lisa para ouvir se alguma coisa se movia dentro dela. Havia apenas um barulhinho leve, como se ali dentro houvesse uma caneta ou um pincel.

Com a outra mão, a garota tateou pela parede, buscando ranhuras ou detalhes que havia deixado passar despercebido.

O barulho repentino do elevador fez com que Céllie se encolhesse e se esgueirasse para trás da cadeira aveludada, agora tão cheia de bolsas que podia ser o esconderijo perfeito para Céllie, se ela ficasse parada.

O elevador tocou o solo com um gemido, e Céllie conseguiu ver a silhueta de Charlie segurando uma vela, andando calmamente entre as caixas e olhando para todos os lados, exatamente como faria um guarda noturno. A luz estava quase no fim, de modo que a vela era a luminosidade mais forte.

Mesmo que não estivesse fazendo nada de errado, o medo irracional de que Charlie a descobrisse ali fez com que Céllie prendesse a respiração e ficasse imóvel.

Charlie pousou a vela sobre um objeto esquisito de madeira que se parecia com uma cômoda com pés altos de ferro em forma de garras, e se pôs a mexer em uma das caixas de roupas, olhando para cada peça com curiosidade. Revirou as peças e os livros, e pegou um guarda-chuva que possuía apenas as armações de metal pintadas de branco. O homem parecia achar tudo ali muito interessante.

Depois de um tempo observando as coisas, ele levantou a cabeça e olhou para a parede desnuda no fundo da sala, seu olhar sendo atraído para a cadeira que escondia Céllie. Ele deu uma risadinha de lado como se estivesse maquinando alguma coisa e se virou na direção oposta. Movendo o seu corpo velho em direção ao elevador, ele foi embora sem dizer uma palavra sequer.

Quando o elevador sumiu levando Charlie, Céllie soltou a respiração com força. Ela tinha certeza que o amigo sabia da presença dela ali, mas um instinto quase infantil levou-a a se esconder mesmo depois que ele já tinha ido embora.

Agarrando o bauzinho com mais vigor, Céllie saiu do seu refúgio improvisado e andou entre as caixas cheias de cacarecos e roupas reviradas, puxando a corda para que o elevador descesse.

Ao contrário do que ela esperava, a caixa de madeira que servia para o transporte não desceu, não importando com que força ela puxasse.

Céllie bufou. Estava presa ali embaixo, e sabia exatamente quem era o responsável por aquilo. Nunca na vida desejou tanto gritar o nome do velho com tanta raiva.

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⏰ Última atualização: Sep 26, 2019 ⏰

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