Coragem

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Quando o Solarus disparou na direção da besta arisca contando apenas com o escudo de proteção de Trish e uma corrente, ela teve que admitir: ele tinha coragem.

Ele não parou nem por um segundo, se lançando para o outro lado da barreira vermelha semi destruída e avançando sobre o monstro infernal. Trish pôde sentir o impacto do choque dentro de seus ossos. Tremulando como o fogo de uma fogueira.

Uma agitação ansiosa tomou conta do corpo de Trish, impedindo-a de se concentrar como devia na barreira.

Por um nano segundo, ela perdeu o controle da energia em suas mãos trêmulas, e ficou tensa. Apenas um erro em qualquer um dos escudos seria o bastante para colocar tudo a perder, e não seria uma coisa bonita de se presenciar.

A atenção do cão infernal estava fixa no garoto, e eles se arrodeavam como se fizessem uma dança crua e mortal.

O monstro negro se ergueu sobre as patas traseiras, agigantando-se sobre o Solarus, e dando uma patada potente na altura da cabeça dele. Suas garras arranharam o escudo, emitindo um som que arrepiou todos os pêlos do corpo de  Trish.

Em contrapartida, o rapaz girou a corrente negra com uma das mãos, e lançou-a no monstro como o laço de um cawboy. O monstro virou-se bem a tempo de escapar do golpe, e enroscou a pata nos elos grossos e puxou, arrastando o rapaz por alguns metros até o limite da estrada da montanha.

Apenas uns poucos passos separavam o rapaz e a besta do precipício.

Com um puxão, a corrente se soltou da mão do garoto, e caiu silenciosamente na escuridão, deixando-o totalmente desarmado.
Ao mesmo tempo, o cão se jogou sobre o garoto, com todo o corpo, com a fúria de um urso maligno e louco.  O plano não tinha sido tão bom, afinal.

Rapidamente, o Solarus colocou a mão dentro do bolso do casaco de couro que usava, e pegou uma coisa que Trish não soube distinguir o que era.

O brilho prateado de uma lâmina riscou a noite. Mas parecia idiotice usar algo do tipo contra um ser como aquele. Trish tinha certeza que qualquer arma seria incapaz de penetrar a carcaça grossa e cheia de espinhos do monstro escuro.

O olhar do garoto viajou até a barreira que separava o cão do resto do mundo, e focaram em Trish, com um alerta de que a qualquer momento o inevitável ia acontecer.

Se Trish queria alguma chance de escapar, não podia se demorar mais ali. Porém, no momento em que seu foco mudasse para a fuga, o garoto seria estraçalhado antes mesmo de abrir a boca para gritar.

O rapaz arremessou-se contra o monstro, golpeando o espaço em vão. A lâmina em sua mão era muito curta. Para ter uma chance efetiva, ele teria que se desfazer do círculo e entrar num combate corporal que tinha tudo para ser um fracasso.

E então, como tudo de ruim sempre acontecia num único momento, um segundo monstro surgiu. Se o primeiro era comparado a um cachorro grande, aquele era um leão.

Um ganido horrorizado saiu da boca de Trish, antes que ela conseguisse conter, e os olhos de ambas as criaturas, e do Solarus, foram atraídos para ela, farejando o medo como uma mosca que rodeia um cadáver.

A nova fera jogou o corpo para trás, tomando impulso, e correu na direção de Trish, lançando-se contra a barreira com todo o corpo.

O Solarus olhou para ela num gesto abrupto, e Trish pôde sentir claramente quando a compreensão lhe atingiu. Eles iam morrer. Não havia escudo nenhum para defendê-los disso.

A barreira vermelha se espatifou como um espelho quebrado.

Ignorando o monstro com quem lutava, o Solarus correu atrás do outro, impulsionando-se para frente com as pernas longas e musculosas.

O escudo que Trish erguera para o Solarus apagou abruptamente.

Ela não conseguia pensar em mais nada enquanto o demônio descontrolado se aproximava. Ia morrer. Morrer…

A fera arreganhou os dentes, revelando as presas enormes e pontiagudas.

Pelo que pareceu um minuto inteiro, o tempo parou. Suspenso no ar estavam todas as coisas que Trish fizera e vivera.  Ela não tinha sido uma garota tão boa assim, então só podia esperar que o outro plano — se houvesse alguma forma de vida após a morte — não fosse tão brutal.

A pancada alta ressoou pelo corpo dela.

A criatura ganiu.

O som de osso se quebrando foi ouvido.

O Solarus gritou.

Várias coisas aconteceram ao mesmo tempo. Um círculo de fogo arrodeara Trish, queimando a criatura leonina e fazendo-a urrar com a dor da queimadura. Como último esforço, o rapaz havia erguido uma defesa para ela. Não sem um preço. O cão negro havia se jogado sobre suas costas, abocanhando o seu ombro esquerdo com força e sacudindo-o.

Antes que os olhos do garoto revirassem nas órbitas, seus lábios formaram uma palavra pra Trish.

TE-LE-TRANS-POR-TE.


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