Pesadelo favorito

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Céllie Adshy sabia que não tinha muitos fãs. Ela era uma cantora iniciante de dezesseis anos, e apesar do cabelo azul brilhante e suas roupas esquisitas, seu objetivo não era apenas chamar a atenção. Céllie queria, acima de tudo, deixar sua marca, como um punhal, cravado no coração do mundo.

Suas músicas eram boladas para refletir todo o horror que havia na sociedade, de forma que não ficasse óbvio demais que ela estava fazendo uma crítica dura, sem se importar com as consequências. Na realidade, ela estava pouco se fodendo para as críticas.

Céllie tendia a detestar as sextas-feiras —  ao contrário de todas as outras pessoas, em sã consciência  —, mas aquela, em especial, estava travada na sua garganta como uma espinha de peixe. Ela iria passar uma temporada em uma cidadezinha no fim do mundo, e teria que frequentar uma escola nova, onde não poderia formar laços com ninguém, e ficar longe de todos as coisas que conhecia. Ela sentia como se estivesse fugindo, sem ter cometido nenhum crime.

— Temos mesmo que ir para aquele… aquele muquifo, Charlie? — perguntou Céllie pela décima vez, enquanto folheava um caderno com todas as letras de música que tinha escrito para os clipes novos.

O velho homem assentiu, sem tirar os olhos da estrada nem por um segundo. Ele tinha sido contratado pelos pais de Céllie para levá-la para todos os lugares, e se tornara um amigo incomum e calado.

— Mas, Charlie — ela resmungou,  fazendo um biquinho pouco costumeiro para alguém que parecia ter nascido usando lápis de olho preto esfumado e batom roxo —, eu não quero ir.

— Desculpe, senhorita. O seu agente insistiu que você precisava estar lá.

— Você viu as fotos? — ela perguntou, procurando um panfleto perdido no meio das várias bugingangas que levava para todos os lugares. Muitas delas presentes de seus fãs mais fieis. — O lugar parece ter saído de um convite para um chá da tarde.

Charlie riu da descrição do lugar feita pela garota. Em momentos como aqueles, ela soava como a criança um tanto mimada que ele sabia que ela havia sido.

— É tudo delicadinho demais. Arrumado milimetricamente e decorado em tons pastel. Não é um lugar para se viver.

— A sua escola parece um castelo de vampiro — falou Charlie com a voz baixa de quem raramente falava, a menos que fosse muito necessário —, achei que você ficaria feliz com isso.

— A construção parece um dedo machucado no meio de todo aquele  chá inglês — Céllie mexeu os pés, batendo-os no painel do carro —, o que é, definitivamente, uma coisa boa. Mas a minha vida não se resume á escola. Você sabe disso…

— Sei — Charlie arriscou uma olhadela de lado para a menina. Para ele, o cabelo dela parecia um polvo molhado, engolindo sua cabeça, mas os traços delicados do rosto dela tornavam o conjunto menos reprovador do que normalmente seria —, é exatamente por isso que você deve focar. Você não está indo apenas para estudar lá, Céllie. Tem uma missão a cumprir, e precisa ser bem-sucedida, se não, tudo vai por água abaixo.

Céllie parou de falar, e refletiu sobre o assunto, com os olhos azuis oceano perdidos na estrada.

— Vou me esforçar, Charlie. Ele não vai ter o que reclamar de nós.

— Assim espero.

Com o movimento do carro pelas estradas esburacadas, Céllie dormiu, sonhando com um conto de fadas macabro, onde os vilões sempre venciam, e os mocinhos corriam deles por uma floresta escura. Era o seu tipo favorito de pesadelos.

Eternal SleepOnde histórias criam vida. Descubra agora