Planos mortais

61 8 4
                                    


   — Eu quebraria meu pescoço na primeira tentativa de fazer isso — falou Amelie na quinta vez em que reviu o vídeo da música de sua cantora favorita.

A garota ao lado dela, Elle, de dezesseis anos, era a coisa mais próxima de uma irmã que ela já havia tido, e elas compartilhavam tudo, desde o gosto estranho por Cellie Adshy, a revelação musical do momento, até o amor pelas coisas góticas e sombrias.

Cellie Adshy era simplesmente um vício, com seus cabelos azuis desbotados e suas músicas com letras demoníacas e perturbadoras.

— Meu deus! — exclamou Elle —isso é totalmente inumano.

   Cellie caminhava pelo corredor de um hospital em seu vídeo, com os cabelos emaranhados e um vestido tão escuro que parecia uma tinta se derramando sobre o seu corpo.

    "Quem cuidará do seu corpo quando ele cair?"  cantava baixinho, os pés virados em ângulos estranhos, combinando com o pescoço curvado para o lado.

"Enterrados por amigos dormentesmurmurava, entre os grunhidos sobrenaturais da melodia. Os olhos, com pupilas totalmente brancas e vítreas, olhavam para lugar nenhum.

"Engolidos pela escuridão que queima, quem levantará do sono eterno?"

   Algo nessa frase sempre causava arrepios em Elle e Am, como se um vento frio soprasse as suas nucas. Elas trocaram um olhar, e se aproximaram mais, voltando a se concentrar na tela.

   Uma figura escura se aproximou rapidamente e empurrou Am um pouco para o lado com o peso do próprio corpo.

   — Será que não dava pra vocês assistirem um filme mais infantil, como o Exorcista, ou Chamados para o mal? — A voz inconfundível de Louis se sobrepôs ao canto sussurrante de Cellie —  Isso é mil vezes mais assustador do que o que a mídia do terror pode oferecer. Deviam processar essa garota por roubar todo o barato assustador.

   Elle estirou a língua para Louis do outro lado, fazendo uma careta.

   — Não dá pra processar alguém por originalidade, L. Algo assim destruíria a indústria.

O garoto deu de ombros, passando as mãos nos cabelos loiros espetados para os lados.

Uma tinta vermelha salpicava a camisa dele dando a impressão de gotas de sangue.

— Com certeza poderiam processar por exposição de cadáver. — Louis apontou para a tela exatamente quando Cellie entrava num quarto onde vários corpos humanos giravam sobre as camas, pendurados como fantoches…

   Louis era dois ano mais velho que Am e Elle, e sua aura soturna e o talento excepcional para a pintura faziam com que as garotas se jogassem pra cima dele como um bando de tietes. 

  — Aqui está um grande mistério: como você conseguiu se livrar da aula de desenho tão cedo, Louis? — perguntou Am, estranhando a chegada repentina dele no dia em que ele era auxiliar da professora de desenho.

  — Simples. Eu disse a professora Frida que tinha um projeto importante para terminar.

  — E tinha? — Elle fechou a tela do notebook, e o arrastou para cima da bolsa ao seu lado.

  — Bem, isso ela não perguntou. — Louis pegou um saco de Naco's, e abriu um pacotinho de ketchup, espalhando-o sobre os salgadinhos, antes de jogar uma porção enorme na boca.

  — Eca. Isso é nojento. — falou Elle, franzindo o rosto. Ela fugia de ketchup como o diabo fugia da cruz, odiando o gosto agridoce e cítrico com todas as forças.

Eternal SleepOnde histórias criam vida. Descubra agora