Antes (A sala dos professores)

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Kara aguardava Lena na porta da sala geral. Dentro da sala dos professores haviam cabines individuais que eles gostavam de apelidar carinhosamente de "sala", mas não era sequer um cômodo. Era mais um espaço para uma mesa, cadeira e um ser vivo razoavelmente pequeno. E Lena cabia perfeitamente em sua "sala".

"Finalmente" a loira suspirou ao ver que a morena se aproximava já impaciente e seguiu seu olhar para dentro da sala. Entrou e lá se dirigiu quase que imediatamente para o espaço da professora Luthor, deixando a porta aberta atrás de si.

Luthor entrou depois, passou esbarrando quase que demais em Kara e sentou-se na cadeira que a deixava menor do que já era. A loira reparou naquele ato com uma quase nostalgia adiantada, seus olhos ardiam e estavam vermelhos. Ela havia parado de chorar, mas não por muito tempo.

"Sente-se, Kara. Eu não mordo" a mais velha tentou brincar, mas sua própria voz a traiu. Era impossível ver a mais nova daquela forma e ficar alguma coisa perto de sorridente.

Kara sentou. Elas se olharam pelo o que pareceu ser uma eternidade, mas na verdade não ocupou um minuto do grande relógio digital que - diga-se de passagem - era o unico objeto decorativo no espaço da professora Luthor.

"Eu não aguento mais isso" Kara apontava de si para a professora como indicativa de que as duas pessoas ali presentes, no mesmo lugar - tão pequeno, fosse claustrofóbico para ela "não da. Eu vou enlouquecer." Uma lágrima gorda escorreu pela sua bochecha esquerda, ela estaria chorando até soluçar em pouco tempo.

"Isso o que, Kara? Não entendo" e não entendia. A professora esperava com todas as forças que aquele assunto não tomasse o rumo inevitável. Não era viável para nenhuma das duas que a loira tivesse se dado conta dos pormenores. Ela não aguentaria. Como não estava aguentando. Luthor só tinha de oferecer a ela outra visão. Por mais que qualquer outra coisa além de elas estarem perdidamente apaixonadas uma pela outra fosse mentira, ela precisava fazer a jovem acreditar que não era assim.

"A sra. sabe, professora Luthor."
"Por favor, me chame de Lena" o que saiu de sua boca foi quase um sussurro. Kara soluçou e olhou para cima como que pedindo ajuda para continuar.
"Vê? É disso que eu estou falando! Não minta, não diga que estou louca, não torne isso pior do que já está. Por favor."

Lena tomou a mão da jovem que estava sentada a sua frente e segurou. Ela queria levantar, preencher todo aquele espaço com um abraço apertado em sua querida aluna. Mais que aluna, amiga. Elas haviam se tornado amigas, certo? As noites estudando com ela, os donuts que dividiam na cafeteria da universidade... Isso era amizade. Mas sem que elas percebessem se tornou algo a mais e Kara não conseguia não fazer nada a respeito. E por isso ela não podia preencher a sala com um abraço. Preencheu com sua dor.

"Kara... mesmo que... mesmo que eu diga o que você quer ouvir. Você sabe. Você entende o que se passa. Por que precisa ser mais do que isso?" agora ela tinha as duas mãos de Kara dentro de sua mão e as acariciava. A mais nova parecia tão vulnerável. Ela se odiava por ter deixado chegar onde chegou. "Mesmo que eu diga. Juro. Prometo. Mesmo que eu diga. Você sabe que não pode haver mais do que isso. Não podemos, Kara. Eu sou sua professora. Você mal é maior de idade."

"Eu tenho vinte anos!" Kara esbravejou. "Mas eu não quero nada a mais que isso." E recolheu suas mãos enquanto levantava para se encostar na pequena porta que faziam muitos confundir aquilo com um espaço que valesse a pena ocupar. "Eu não quero nem isso... Preciso da minha vida de volta. A de antes."
"Antes?"
"De você."
"Oh."
"Me perdoe, srta. Luthor. Mas eu transferi minhas aulas para o turno da noite. Era isso que queria te falar."
"Não era só isso, Kara. Você poderia muito bem ter me avisado através de Eve."

A mais velha levantou e caminhou até sua aluna. Tomou novamente suas mãos e segurou.

"Tem certeza que era só isso?"
"Tenho." A loira já não falava mais para sua professora e sim para si mesma, tentando se convencer de que era aquilo que ela queria. Mas não era. Ela queria ficar, ela queria tomar aqueles lábios vermelhos e experimentar.

E então, como se Luthor pudesse ler os pensamentos de Danvers, ela soltou-lhe as mãos a fim de poder entrelaçar seus dedos nos loiros do cabelo da mais nova e beijou-a.

E foi o melhor e mais incrível beijo que Kara já havia dado em toda a sua vida. Mas foi o beijo que colocou definitivamente um ponto final em toda e qualquer relação que elas pudessem ter mesmo depois que Kara já fosse uma mulher com diploma.

Ao menos foi o que, durante 5 anos, as duas acharam ser o final.

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