"Mamihlapinatapai"

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Capítulo nono. "Mamihlapinatapai"


Pincelada de cadeias montanhosas. Todas elas com uma cobertura fofa de neve, bem lá no alto, mesmo que o solo estivesse vivo em grama. Um verde enfeitiçado para onde quer que olhasse. Com a chegada do verão, toda a imensidão branca se esvai, criando aqueles lagos temporários que tanto admirara a caminho de casa. Encostado ao meio fio, os pinheiros canadenses, zimbros e carvalhos, davam uma assinatura própria à flora do Colorado. A tristeza não era um estado comum para quem vivia por ali, mesmo que cercado da solitude que as árvores propiciavam. Mesmo que o sol de veraneio já tivesse dado as caras, não era muito sensato tirar os agasalhos. As montanhas rochosas faziam o gélido ser uma característica rotineira. E quantas vezes Tony já não fora enganado por aquele sol friorento, sempre voltando para dentro de casa com sunburns do vento cortante. Uma faixa avermelhada que se localizava bem acima do nariz, indo pelas laterais do rosto de encontro às orelhas, igualmente queimadas. Aqueles campos lhe traziam muitas lembranças, apesar de não ter aproveitado Black Hawk tantas vezes como queria. Mas nunca que o rústico lhe parecera tão atraente antes de Peter. Vê-lo ali, no banco do passageiro, visivelmente reduzido ao cansaço por conta da viagem, era um presente. Agradecia aos céus pelo garoto ser distraído e quase sempre cair no sono. Poderia admirá-lo a vontade. E uma coisa era fato: Tony não se cansava disso.

O pouco do comércio que existia ali ia gradativamente desaparecendo, agora adentrando numa área mais rural. Sendo uma cidade dormitório, com um impressionante número de duzentos e pouquíssimos habitantes, não havia muito o que aproveitar. Porém, era exatamente isso que Tony tinha em mente ao comprar o projeto da casa. Zero pessoas. Zero estresse. Apenas uma cabana típica dos colonos americanos, com sua madeira propositalmente imperfeita, troncos manchados, gastos pela passagem do tempo e mudanças climáticas. Ainda que rústica, havia um "quê" de moderno muito particular. Uma marca Stark. Muitas janelas do teto ao chão buscavam pela luz. Exteriormente, a casa mexia com as estruturas de qualquer admirador de arquitetura, mesmo que por dentro ela apenas fosse... clássica. Semelhante a uma casa de família só que mais "Alasca", por assim dizer. Stark não fez questão de fazer algo muito espetacular nas decorações, pois o objetivo das viagens pro Colorado era o fora, o estar em contato com a natureza e não enfurnado em casa. Somente servindo como um aconchego para as noites significantemente frias. Sempre perante as lenhas que crepitavam e no conforto dos sofás de couro envelhecido, trazidos de uma ex casa de campo de Howard e Maria Stark. A companhia se limitava a uma caneca de café e algum jazz, coisa que raramente escutava em Nova York pelo simples fato de não servir. As únicas pessoas que tinham conhecimento daquela residência eram Rhodes e Natasha, tendo-a construído na passagem de dois mil e nove a dois mil e dez. E já estava de bom tamanho, pois o intuito dela era justamente o saboroso isolamento.

Três zumbidos se evidenciaram no silencio do carro, fazendo Peter despertar com a vibração acima de sua coxa. No visor do celular, uma mensagem de Ned:

17h25

Provavelmente você nem vai ler isso agora, mas só queria dizer que eu passei em Yale!

Eu tô ansioso pra caralho.

Mas e aí, já chegou na casa do senhor Stark?

Se fosse qualquer outra circunstância teria respondido Ned na hora, mas a turbulência do avião havia acabado com sua sanidade mental. Como se não bastasse, após terem alugado um carro, a estrada até o campo era recheada de curvas que pareciam não acabar nunca. "Deveria ter escutado May e levado o remédio", admitiu arrependido, escondendo o rosto na lateral do banco. Não queria incomodar Tony com uma segunda parada para recobrar seu labirinto.

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