Era uma sexta feira calma, isso é, geralmente sextas costumam ser o dia em que as pessoas estão mais ansiosas para curtir o fim de semana, se é que me entende.
No caso de Clara era excepcional, uma vez que ela tinha um encontro escondido marcado com Thomas. Ela tentava ao máximo não demonstrar isso para o pai, Alonso. Como ele ainda estava bravo desde o incidente no funeral de George, não fez questão de tentar conversar com a filha. Algo que Clara agradeceu por dentro.
Não demorou muito para chegar no colégio. Clara fingiu que iria entrar, mas quando o pai saiu com o sedan tornou a ficar na frente do colégio.
“Então, vai encontrar ele?” Perguntou Beatriz subitamente. Clara se assustou pois não havia visto a amiga se aproximando.
“Caramba Bea! Você quase me matou!” Disse Clara, brava. Logo depois seu rosto deixou o aspecto de fúria para um de felicidade.
“O Thomas vai me buscar aqui, estou esperando” disse Clara.
Beatriz olhou Clara de baixo pra cima “Você vai pro seu primeiro encontro usando uniforme escolar?” Zombou Beatriz.
“Que escolha eu tive? Meu pai sempre me traz, ele iria desconfiar se me arrumasse mais que isso” respondeu Clara parecendo decepcionada.
“Tudo bem, o importante é você seduzir ele! Mas não faça coisas impróprias no primeiro encontro. Nunca faça sexo no primeiro encontro" disse Beatriz entonando importância na última frase. Algo que pegou Clara de Surpresa.
“Eu não vou fazer nada disso” respondeu Clara, vermelha.
“Bom mesmo, mocinha! Eles sempre tentam algo no primeiro encontro. Mas se conseguem, vão embora. Não me olhe assim, sou mais experiente que você nisso” disse Beatriz piscando ao fim da frase.
“Acho que já sou bem grandinha, Bea! Pode deixar que me viro!” Disse Clara, incomodada. Ela realmente ficou um pouco insegura com o que Beatriz dissera. Afinal, nunca havia feito sexo e nem tinha cogitado fazer no encontro com Thomas.
“Será que ele não está naquele carro de janelas escuras? Parece um carro de legista pra mim" disse Beatriz.
Clara não soube responder, mas com certeza havia visto o mesmo carro no dia anterior. Seria Thomas todo esse tempo? Ele decidiu se aproximar mas antes mesmo de dar o segundo passo um outro veículo buzinou.
Um Carro do modelo do ano passado, cinza e com vidros também escuros. Mas, os vidros abaixaram e o coração de Clara disparou.
Thomas estava bem próximo, abrindo a porta para ir vê-la.
Beatriz a olhou com um rosto que Clara pôde ler como “Não acredito que vai sair com um lindo desses".
“Até logo, Bea" disse Clara sorrindo e andando ao encontro de Thomas.
“Vai com cuidado hein, Clara!” disse Bea alto o suficiente para que Thomas ouvisse.
Deveria abraça-lo? Apertar sua mão como da primeira vez? Talvez devesse beija-lo logo… Clara não fazia idéia de como agir.
Mas quando chegou perto o bastante, pôde ver os braços de Thomas se abrindo, e um momento depois lhe envolvia em um abraço apertado.
“Bom te ver denovo” disse a voz grave e suave que somente Thomas possuía.
Em seguida, um beijo no topo da cabeça.
“Bom ver você!” Disse Clara, ja vermelha de vergonha e excitação.
Thomas abriu a porta para que Clara entrasse em seu carro, logo em seguida entrou e fechou as janelas.
“Pensei que talvez não viesse, meu pai sequestrou meu celular então não consegui confirmar o encontro" disse Clara querendo descontrair.
“Claro que eu viria, eu falei que estaria aqui, não é?” Disse Thomas usando aquele olhar intenso bem nos olhos de Clara. Ela por sua vez, olhou pra baixo como se tivesse dito algo errado.
“Não perderia a chance de te ver denovo por nada!” Afirmou Thomas, segurando na mão de Clara e sorrindo.
Então deu partida no carro. De alguma forma, Clara se sentia extramamente confortável do lado de Thomas.
“Qual música?” Perguntou Thomas de repente. O que fez a cabeça de Clara trabalhar muito. “Você é a visita, pode escolher" reafirmou, Thomas.
“Que música costuma ouvir, Thomas?” Perguntou Clara, meio sem jeito.
“Primeiro, você pode me chamar de Tom. Que tal usar ‘Thomas' quando estiver brava, no futuro? Haha!” Concluiu Thomas.
“O quê? Já ta pensando nas nossas futuras brigas, Tom?” Disse Clara, em tom irônico, porém descontraído.
Tom começou a rir “Não só nas brigas…” disse ele olhando para Clara. Mas antes dela dizer algo ele acrescentou “também penso que podemos combinar nossas camisetas com uma foto nossa impressa e dizendo ‘Não mexa com essa garota, ela é minha' e na sua também".
Clara olhou estranho e disse “As vezes penso que você fala sério!”
“E quem disse que não?” Respondeu Tom “Para de rir, tô falando de um futuro, não das camisetas. Mas a oferta ainda está de pé”.
“Okay, vamos então então! Mas a minha camiseta tem que ser bem grande, pra quando não estiver vestindo, usar como bandeira na janela da nossa casa para espantar vadias" afirmou Clara, com convicção e ainda rindo. No fundo se sentindo muito feliz por tudo isso parecer “mais que um encontro casual para Thomas".
“Que história é essa agora, Clara? Acha que sou tão cafajeste assim?” Disse Tom, simulando tristeza.
“Não conheço quase nada de você, pode até ser casado e sair conquistando colegiais em velórios. Pode ser um passa-tempo para você” disse Clara provocando.
“Pra minha defesa, não sabia que você era colegial. Não me leve a mal mas não parece aquelas menininhas bobas que estavam la na frente do colégio. Claro que falo de postura, por que de altura…” Retrucou Tom que logo em seguida recebeu um tapa de brincadeira de Clara junto de um “seu idiota” seguido de risos.
Os dois fizeram um pouco de silêncio.
“Thomas Montenegro, vinte e sete. Legista há três anos. Fui um ano adiantado na escola então terminei mais cedo o ensino médio e consegui uma bolsa de 100%. Terminei medicina aos vinte e dois, não muito depois prossegui na área legal. Eu prefiro gatos, minha comida favorita é pizza, meu filme favorito é Donnie Darko e ouço Rock.” Disse Tom. “Agora você me conhece mais”
“Ual...” Exclamou Clara “Ok, minha vez! Clara Goldberg, dezessete. Sou repetente, então ainda estou no segundo ano do ensino médio. Mas concluí o fundamental. Eu gosto de cães e gatos sem preconceito, minha comida favorita é bolo de limão, meu filme favorito é difícil de escolher e ouço rock. E estou agora estou nervosa pois você é um completo gênio e eu não sou nada”
Tom olhou para Clara, sorriu e ligou o radio. Escolheu a música Light of Day – Tommy Stinson.
Eles não falaram mais por algum tempo, Tom abriu um pouco o vidro do carro. De alguma forma, aquela música acalmou a visível insegurança de Clara. Ela não sabia para onde estavam indo, mas não importava. Desde que estivesse com Thomas nada importava naquele momento.
A música, os olhares e risadas, os cabelos ao vento e a sensação de aventura estavam “lavando” o espírito de Clara. A fazendo se sentir numa espécie de filme de romance.
Eles finalmente pararam. Era um café que ficava na estrada próximo a uma serra que levava até a praia. Tom pede para Clara esperar um pouco enquanto buscava os cafés conforme cada um havia escolhido.
Clara olhou para o espelho do retrovisor esperando a volta de Tom, mas se deparou com seu reflexo que a fez se assustar: estava totalmente despenteada por causa do vento que pegaram na estrada.
Clara tentou se arrumar mas não obteve sucesso, então pensou em algo: procurar algum pente no porta-luvas.
Mas quando o abriu não foi um pente que caiu. Era uma faca enrolada em um pano sujo do que parecia ser sangue.
Clara se assustou e soltou um pequeno grito. De todas as coisas que poderia pensar em encontrar, a última delas seria uma faca ensanguentada.
Ela calmamente desembrulhou para verificar. O sangue estava seco, provavelmente há dias.
Sua mente trabalhava para entender a situação. Por qual motivo Thomas teria algo assim no carro? Pretendia usar isso no primeiro encontro contra ela? Ou talvez…
E se foi a faca usada para matar George?
Seria o homem por quem se apaixonou, um assassino?
Não poderia ser, ela pensou. Se fosse isso mesmo, por qual motivo não a teria descartado?
Clara não sabia por qual motivo associou o assassinato de George a Thomas, poderia ser em razão de sua explicação de como George for a assassinado com uma faca.
Era só coincidência ele ter uma faca e seu primo ter sido assassinado com uma. Vamos, todos tem facas.
“Não ha nada para se preocupar” disse Clara para si mesma. “Deve haver uma boa razão pra essa faca. Algum dia posso perguntar ao Tom”.
Thomas havia voltado com os copos. O cappuccino com canela de Clara e o dele, puro.
Thomas ligou o carro e seguiu pelo acostamento um pouco mais a frente do café. Pegou um caminho de uma estradinha de terra.
Clara ficou um pouco preocupada, que lugar era aquele? Ela havia perguntado mas ele disse que era segredo.
Ela estava sentindo um misto de medo e vergonha de insistir em saber onde era e o que fariam.
Clara havia se lembrado do que Beatriz havia dito sobre sexo no primeiro encontro, e, apesar de Clara não achar realmente errado, ela não queria. Não naquele dia, não naquele carro. Com Thomas sim, mas não ainda.
Quando percebeu, já estavam quase parando.
“A estrada desce a serra até a praia. Mas esse aqui nos leva para a borda extrema do caminho, ali em baixo é só descida ingrime mas aqui se torna um mirante natural” disse Tom.
Era verdade.
O caminho até lá estava estranho, cheio de terra e vegetação, mas a frente era como um paraíso. Uma visão incrível que dava pra ver toda a serra, as montanhas descendo em direção a praia e algumas nuvens abaixo. O dia não era dos mais quentes, tampouco era frio. A música que recém descobrira graças a Tom estava combinando perfeitamente com o momento. O café era o seu favorito. O clima estava ótimo e a visão era perfeita.
Clara estava simplesmente encantada.
Tom passou a não por detrás das costas dela “Esse lugar é quase desconhecido. Quando era criança meu pai me levou para a cidade e passamos pela estrada na qual você e eu viemos. Eu não queria me mudar então estava resmungando. Tinha acabado de perder minha mãe. Não havia hoteis perto como agora, então ele tentou achar um lugar para paramos e dormir. Era exatamente aqui”
Todo o resseio de Clara havia sumido. Ele a trouxe para se abrir com ela, para se aproximar, não para transar com ela ou mesmo usar aquela faca. Thomas também havia perdido a mãe como ela. Ele sabia da dor.
Por um momento após o alívio, Clara sentiu remorso de ter imaginado uma conduta totalmente errada de Tom. Por dentro ela pediu desculpas.
“Quando vi este lugar não pensei que fosse real. Um lugar tão lindo e ninguém conhecia! Por mais que a situação estivesse horrível e fiquei feliz e tranquilo.
Descobri que sempre há algo que lhe trás paz em meio ao caos" concluiu Tom.
Aquela frase acertou em cheio o coração de Clara. Ela nunca imaginava se encontrar com um homem tão inteligente, lindo e profunto quanto Tomas.
“Você me disse que as vezes ver os mortos nos faz sentir que estamos vivos” disse Clara, olhando pra Thomas “Você estava enganado".
“Por que diz isso?” Perguntou Thomas. Apertando a mão de Clara, logo em seguida subindo até seus cabelos fazendo o coração de Clara disparar.
“Pois você está vivo, Tom" disse Clara apoiando a cabeça na de Tom.
“E eu me sinto mais viva que nunca!”
Tom mais uma vez a beija, dessa vez ela não tinha preocupações. Ninguém chegaria de surpresa, não haviam mortos do lado.
Os dois ficaram juntos o resto da tarde até concluírem que estava na hora de voltar.
Quando voltaram, escolheram diversas outras músicas e conversaram sobre diversas outras coisas. Até marcaram o próximo encontro para a outra semana.
Finalmente, Thomas parou o carro na rua atrás da escola, cerca de dez minutos antes do horário de saída dos alunos.
“Nos vemos na terça, então” disse Tom para Clara.
“Caso consiga pegar o celular te mando mensagem, Tom. Obrigada pelo encontro” disse Clara.
Tom a puxou para mais um último beijo de despedida antes dela sair do carro.
“Num encontro os dois ganham, não agradeça. Vamos nos ver mais" disse Tom antes de sair.
Clara sentiu vontade de dizer “Eu te amo!” de tanto afeto e paixão que estava sentindo por Tom naquele momento. Mas achou que seria precipitado demais.
Então só acenou com um sorriso no rosto. Mal podendo esperar para reve-lo.
Até aquele momento, Clara podia jurar que havia sido um dos, se não o melhor e mais empolgante dia da sua vida.
Tentou controlar o máximo sua empolgação durante o caminho de volta com seu pai.
Ao chegar em casa Alonso percebeu que havia um carro estacionado na frente da casa.
Clara notou que era o mesmo carro de vidros escuros que havia visto antes. Até tinha se esquecido dele.
Ao saírem do carro, duas pessoas saem do carro de vidros escuros e caminham em direção deles.
Um homem robusto, de terno e gravata, óculos escuros e uma mulher de cabelo preso e camisa social. Os dois possuíram um aspecto muito sério.
“Quem são vocês?” perguntou Alonso.
“Somos investigadores, só queremos um momento da sua atenção" disse o homem.
Não tardou a tirar uma foto do bolso e mostrar para Clara e seu pai.
“Conhecem este homem?” Perguntou a investigadora.
“Clara, não era o rapaz do velório do George?” Perguntou Alonso para sua filha.
Não havia dúvidas, era uma foto de Thomas.
“Acho que sim" disse Clara com tremedeira na voz e um abismo no peito.
O que era aquilo? Por qual motivo investigadores estariam atrás de Tom? O mesmo Tom que ela acabara de passar talvez o dia mais feliz que tivera na vida.
“Bem, temos fortes suspeitas que esse homem é um assassino em série. Precisamos da colaboração de vocês para conseguir prende-lo” disse o Investigador.
Clara lembrou imediatamente da faca com sangue. Estariam suas suspeitas anteriores, corretas?
Clara perdeu o chão. O homem que amava era um assassino em série?
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MORTO EM COMUM [Original]
Romance[Esta não é uma história de romance comum] Alguns casais podem dizer que se conheceram por algum amigo, lugar, festa em comum. No caso de Clara e Thomas, este algo "em comum" é um MORTO. Cuidado. Assassinatos em série, manipulação psicológica e uma...