A BRIGA

45 6 2
                                    

Clara disse tudo

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.


Clara disse tudo.
Ela contou cada detalhe do que vinha acontecendo em sua vida desde que conheceu Thomas.
Desde os detalhes antes ocultados sobre os acontecimentos do velório, quando foi abordada pelos investigadores Ricardo e Suzane, sobre como descobriu sobre os vídeos que George havia feito delas no banho, sobre o fato de Thomas ser um verdadeiro assassino em série e como pretendia ajuda-lo a matar o investigador após tudo que descobriu de Lívia.
“Indescritível”, seria a palavra que Clara usaria se tivesse que relatar as expressões que sua amiga Beatriz fez quando havia acabado de relatar tudo à ela.

“Deixe eu ver se eu entendi...", começou Bea, andando de um lado para o outro do banheiro feminino que agora estava vazio devido ao horário das aulas “seu namorado é um assassino em série que mata estupradores, ele matou seu primo e agora pretende usar sua ajuda para matar o homem que o está investigando, que aliás, também é um estuprador... Esqueci algo?”, disse em tom de voz sarcástico.
Clara somente olha pra Bea através do espelho e faz que não com a cabeça.

“Bem que achei essa história toda com ele bem suspeita, devo admitir...”, disse Bea devolvendo o olhar de Clara pelo espelho “temos que achar uma forma de tirar você dessa, Clara”.

O rosto de Clara se iluminou naquele momento “Espera, então você acreditou em mim? Essa deveria ser a parte em que você diz que eu estou alucinando e deveria procurar um psiquiátra".

Bea deu dois tapinhas nas costas de Clara “você é a menina mais certinha que conheço, Clara. Sempre tenta parecer o mais normal possível. Inventar esse tipo de coisa só estragaria sua fama de ‘perfeitinha' pro resto do colégio e também, pra mim”.
Clara se surpreendeu com a resposta de Bea, não é como se não estivesse grata por ela ter realmente acreditado no que disse. Mas a forma como não ficou tão chocada ou tido um ataque a pegou de surpresa.

Mas logo o rosto de Clara apresentou novamente uma expressão de desânimo.

“Bea... O que te contei. Eu não deveria...”, mas logo Clara foi cortada.
“Relaxa amiga, daqui não sai nada", disse Bea apontando para os lábios “prometo", finalizou com um sorriso caloroso.

Clara não tinha totalmente certeza se estaria tudo bem em dizer tudo para Bea, mas, se sentiu incrívelmente revigorada naquele momento.
Ainda que Bea tentou faze-la desistir por inúmeras vezes da idéia de ajudar Thomas, era bom te-la como confidente.
Cochicharam uma para a outra durante todas as outras aulas que não mataram no banheiro. Bea dividiu seu lanche com Clara, que naquele dia estava extremamente faminta.
Naquela momento Clara agradeceu como nunca por ter uma amiga.

Dentre varios questionamentos zangados que Bea fez sobre George e como Thomas tinha o vídeo delas, uma pergunta se destacou na mente de Clara.
“Mesmo assim ele era seu primo, e Thomas o matou. Você realmente o ama, Clara?”, perguntou Bea como se fosse algo trivial.
Clara ficou com cara de pensativa por alguns momentos.
“Acho que você está pensando demais pra responder", disse Bea.
“O que quer dizer com isso, Bea?”, perguntou Clara.
“Não é óbvio? Acho que está confusa. Talvez ache que o ama ou quer ama-lo e por isso está do lado dele. Mas seu lado racional sabe que nada de bom pode vir de uma relação assim, pelo menos espero que saiba...”, respondeu Bea, de forma direta.

Clara não transpôs naquele momento, mas Bea tinha um pouco de razão. Aquela relação era perigosa. Mas... Será mesmo que nada de bom viria? Será que quando tudo acabesse eles simplesmente pudessem viver em paz?
Por mais que ela não falasse com tanta certeza na voz, Clara amava Tom. Ele a assustava, mas lhe dava segurança, era medonho e ao mesmo tempo heróico, tinha um jeito manipulador mas era tão afetivo...
Poderia ser normal se não fosse bizarro.

Quando o sinal tocou indicando o fim do dia letivo, o peito de Clara se apertou, teria que voltar pra casa e ainda encarar seu pai.
Assim como ela esperava, ele não estava esperando-a na frente do colégio, talvez somente um punhado de carros na rua. Um em particular com vidros bem escuros e outro que era o mesmo modelo de carro do pai dela, mas de outra cor.
E claro, nada do carro de Thomas.
Mesmo se quisesse falar com ele agora, ela não conseguiria. Seu celular já havia descarregado.

Beatriz se despediu de Clara “e manda isso aqui pro sei pai", disse ela enquanto gesticulava com o dedo do meio.
Clara exibiu um meio sorriso e partiu ao caminho de casa.

...

Após a exaustiva caminhada Clara foi surpreendida com a porta de casa aberta. Ela não havia esquecido o que fizara no dia anterior. O sequestro de Lívia poderia lhe trazer muitos problemas se fosse sequer se fosse sequer cogitada como uma suspeita.
Ela caminhou pela casa, não havia som algum em cômodo algum. Se a atmosfera não fosse tão misteriosa, seria um entardecer pacífico.
O resto da luz do dia desaparecendo por entre as janelas da sala, o som abafado dos carros passando do lado de fora da casa...
Clara pensou seriamente em deitar no sofá e dormir lá mesmo. Era o que mais desejava naquele momento.
Mas sabia que não podia.
Antes pensava que talvez houvesse algum dos investigadores na casa, mas não havia nenhuma alma sequer... Ou foi o que ela pensou.
Somente seu pai, Alonso, sentado à mesa da cozinha e a encarando com severidade no olhar.
Aquela cozinha, com uma geladeira maior que Alonso ocupando metade do local; um fogão de quatro bocas em cor prata e a portinha dos fundos ainda transparecendo o pequeno quintal esverdeado do outro lado.
A visão seria ótima se não fosse pela ameaça presente em todo o rosto do pai de Clara.
Ela nem dissera uma palavra e seu pai já se pôs de pé e foi ao seu encontro.
Qualquer pai que não vê a filha em quase dois dias entraria em desespero e a abraçaria imediatamente quando a encontrasse, tamanho o sofrimento e preocupação que fora submetido.
Mas tudo que Clara ganhou foi um dedo na cara seguido de repressão ofensiva.
Seu pai se levantou e andou lentamente até onde ela estava, parada no corredor que dava acesso a cozinha e a escada.
“Você... Você passa noites fora agora, né? Ta se achando adulta? Só por que está fazendo coisas de adulto agora com aquele criminoso!?”, berrou Alonso na última sentença.
“Eu só estava...”, começou Clada a dizer uma mentira para acalmar o pai mas logo foi interrompida. Não com palavras mas com um doloroso tapa no rosto.
Um tapa tão forte que a fez cair e quase perder a consciência, tamanha a força aplicada.
“Não perguntei onde estava, perguntei? Você pode ‘dar’ pra quem quiser. É uma putinha igual sua mãe, é isso que é!”, Berrou Alonso mais alto ainda.
Ele se aproximou de Clara, no chão e sussurrou “Por que não vai morar com aquele seu namoradinho de merda?”, disse Alonso, com a maior frieza possível.
Então se virou e foi andando para o outro cômodo.

“Homem...”, Clara murmurou enquanto tentava se levantar.
“O que disse?”, suspirou Alonso enquanto dizia.
“Ele não é um merda... Thomas é um homem. Algo que você nunca foi. Por isso a mamãe procurou um de verdade ao invés de você", disse Clara, tremendo e sentindo seu lado esquerdo do rosto queimando.
Um silêncio se instaurou no corredor. A harmonia na decoração do local estava quebrado pelos olhares de ódio que cada um exibia.
Alonso então rapidamente agarrou o braço de Clara e a arrastou escada acima. Ele puxava o punho com tanta força que a marca de seus dedos ficou gravado em roxo na pele dela.
Ela gritava contra ele mas a força imposta não se abalava.
Então subitamente ela foi jogada no chão. Era o chão do quarto.
Seu pai iria dizer algo bem ofensivo, mas ao invés disso murmurou algo e bateu a porta com tudo. Clara pôde ouvir ele a trancando do lado de fora.
Ouviu seus passos caminhando pesadamente para outro cômodo.
E foi lá, naquele chão, em seu tapete, com o rosto inchado e tremendo, que Clara passou aquela noite. Sem se dar ao trabalho de se levantar para ir pra cama.
E talvez aquele fosse o primeiro momento na qual cogitou matar seu próprio pai.

Se Thomas conseguia matar alguém, ela também podia.
Podia esperar ele dormir, pegar uma faca e mata-lo a noite.
Podia fazer isso naquela mesma noite. Seria fácil...
Mas o cansaço naquela noite venceu o ódio. Clara adormeceu com os punhos cerrados de tanto ódio.
...
No dia seguinte o quarto estava destrancado. O cérebro de Clara demorou para processar toda a situação.
Então, lentamente ela se levantou com as costas doendo de tanto ficar no chão e também com o rosto ainda dolorido.
Nem cogitou ir para a escola naquela sexta-feira. Não tinha condições.
Ela deixou o celular carregando e foi ao banheiro. Tomou talvez o banho mais demorado de sua vida, onde tentava não pensar na situação em que estava.
Olhou para seu punho, ainda machucado por seu pai. A vontade de mata-lo ainda persistia em seu interior. Mas tambem ...
Aquela banheira... Não parecia um péssimo lugar para morrer.
Clara pôde imaginar seu pulso cortado. Mas logo, também pôde imaginar Thomas abrindo um daqueles sacos pretos e a cortando para procedimento da necrópsia.
Não... Definitivamente ela não queria morrer.
Com o tempo conseguiu esvaziar sua mente e descansar um pouco.
Quando saiu, pôde ouvir a televisão da sala ligada. Se fosse sair, seu pai a veria.
Então voltou pro quarto. Pôs somente uma camiseta branca larga e um short rosa que somente usava para ficar em casa.
Quando visualizou o celular denovo, estava 90% carregado. Ela realmente havia passado um bom tempo no banho.
Quando o ligou, percebeu que havia dezenas de ligações perdidas do número de Thomas.
Ela se apressou para ligar devolta.

“Clara, o que houve com você?”, começou Thomas “fiquei preocupado, está bem?”, perguntou, com tom de voz apressado.
“Estou bem... Eu só...”, Clara passou a mão do lado inchado do rosto e suspirou “Só fiquei sem celular", mentiu, como geralmente fazia quando lhe perguntavam sobre situações difíceis.
“Mas, aconteceu alguma coisa?”, perguntou Clara.
“Sim”, Thomas suspirou “preciso te ver urgentemente. Há algo errado".
“O que isso quer dizer, Thomas?”, perguntou Clara, preocupada.
“Digamos que eu tenho como saber os movimentos do investigador Ricardo. E ele esta agindo estranho. Clara, você não disse a ninguém, né?”, perguntou Thomas.

Clara entrou em choque mais uma vez, o que ela tinha feito?
Teria Beatriz dado com a língua nos dentes?

“Thomas, acho que eu fiz alguma besteira”, disse Clara, receosa. Sabia que aquele não era o momento de mentir, estava tudo em risco, e por sua culpa.
“Se você contou pra alguém essa pessoa pode estar em risco, Clara! Isso não importa agora. Mantenha-se segura! Estou indo até você!”, disse Thomas e desligou.
O tom de urgência não era brincadeira. Clara se perguntou como podia ser tão ingênua, a vida de Beatriz podia estar em perigo.

O tempo passou como se estivesse em câmera lenta. Clara estava em agonia, era tanta preocupação...
Sentia que podia explodir a qualquer instante.
Ela também só tinha uma chance de fugir de casa: se ela fosse correndo para a porta, sem dar tempo de pai agir.

E assim que ouviu o nítido som de carro parando em frente a sua casa, foi isso que fez. Tinha que chegar até o carro de Thomas, Clara estava quase pulando os degraus da escada que dava bem em frente a porta.
Pôde ver seu pai olhando pela janela o carro que acabara de estacionar. Ela tentou abrir a porta bem ao lado de onde ele se encontrava, mas estava trancada. Clara então correu para os fundos, a porta de lá ficava fechada, mas a chave costumava ser deixada em cima da geladeira.
Em um pulo ela derrubou a chave e a pegou no chão. Ouviu os passos do seu pai correndo para a cozinha onde ficava a saída dos fundos.
Ela enfiou e girou a chave o mais rapido possível, mas a porta não abriu no primeiro giro da chave.
Demorou o suficiente para que seu pai a segurasse pelo pescoço. Clara estava perdendo o ar. Ouviu somente a frase “aonde vai dar hoje, putinha?” e depois foi como se tudo ficasse rápido demais para lembrar.
Clara consegui abrir a gaveta da pia que estava próxima, agararrou uma faca pelo fio com a mão esquerda, se cortou tentando arruma-la do jeito certo para o ataque, depois a empunhou com a direita.
E com toda a sua força, a cravou na coxa direita se alonso.
Ele largou a filha imediatamente e soltou varios berros e maldições.
Clara então conseguiu abrir a porta e correr pelo pequeno corredor que dava para o lado de fora. Teve dificuldade em pular o muro que era um pouco maior que ela.
Seu corpo estava cheio de adrenalina, estava com a mão sangrando e com a testa suada.
E quando finalmente alcançou a rua e virou-se para frente, seu queixo caiu.
O carro que havia estacionado não era o de Thomas, mas sim do investigador Ricardo. E junto a este último, estava sua parceira, a investigadora Suzane.
Os dois possuiam olhares impiedosos para com ela.
Clara nem pensou em correr.
O investigador se aproximou e anunciou em alto e claro som;

“Você está sendo presa, Clara Goldberg”.

MORTO EM COMUM [Original]Onde histórias criam vida. Descubra agora