Quando os vivos enterram seus mortos

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Kayron era muito quieto, e nos dias subsequentes Itzel observou isso. Parecia que toda a animação de viver tinha ido para sua irmã de cabelo esquisito, pois ela falava tanto que parecia falar por uns oito pessoas ao mesmo tempo. Illa caçava junto com Kayron e todos comiam a comida caçada por eles. Parecia meio injusto à princípio, mas era obviamente melhor deixar o resto deles escondido no abrigo, pois qualquer outro que visse um nahuatl de olhos vermelhos zanzando por ali o mataria sem a mínima piedade. Illa falava com todos e principalmente com Itzel, (o que ajudava muito pois conversar a auxiliava a se manter no Controle), mas por outro lado Kayron apenas balançava a cabeça e murmurava concordância, e só quando a palavra lhe era dirigida. Ele nunca iniciava conversas.

Depois de praticamente uma semana ali, Itzel ouviu pela primeira vez, Kayron falar mais de duas palavras por vontade própria.

Estava de noite, o inverno estava em seu fim e eles se reuniam ao redor da fogueira e comiam carne. Enquanto não estava caçando junto com a irmã, Kayron passava todo o tempo em um canto do abrigo com uns livros velhos que os adultos as vezes deixavam para trás. Itzel sabia ler algumas coisas, tinha aprendido junto com o irmão antes, mas o dialeto dos livros velhos de Kayron era muito antigo e ela não conseguia entender nem como ele entendia aquilo. Mas naquela noite, em vez de voltar para o seu canto de livros após comer, Kayron segurou sua esfera negra de estimação e deu um sorriso pequeno e sem mostrar os dentes, o rosto sendo iluminado pelo fogo da fogueira em uma cena de filme de terror, enquanto olhava para todos como se fosse dominar o mundo.

- Eu descobri como invocar um Asahsqui. - Foi o que ele disse, e todos ali pararam de comer, menos Itzel, que ainda roía um osso. Ela deu uma risada curta pensando ser uma piada esquisita, mas o clima ficou tão pesado que ela cogitou que ele estava falando sério.

Depois de quase meio minuto de silêncio, Illa sorriu.

- Sério?

- Sério. - Ele afirmou.

- Puta que pariu! - Loydie disse enquanto ria feito criança. Aretha não demonstrou grande reação, mas parecia minimamente animada, apertando Loydie como um ursinho de pelúcia.

Itzel apenas não entendeu.

Asahsqui eram espíritos metamorfos que realizavam desejos, e que quando invocados tinham sua alma ligada à do invocador. Ao menos era isso que ela sabia da lenda. Para invocar um se precisava de uma fonte de magia morta e saber as palavras certas. Muita pouca gente tinha conseguido invocar um, pois o ritual costumava ser extremamente destrutivo e nocivo para o invocador. Apenas os adultos estudados faziam esse tipo de coisa, e quase nenhum sobrevivia. Era um espírito que podia acatar qualquer desejo idiota, então era plausível que houvesse todo esse perigo e burocracia; Se fosse fácil nunca se sabe quando alguém simplesmente desejaria para que o mundo explodisse em chamas.

E agora, um menino aleatório que tinha sobrevivido apenas à 13 invernos dizia com toda a pompa e glória que podia invocar um.

- Você só pode estar de brincadeira. - Itzel disse, minutos depois dele já ter dado a notícia. Ela ainda estava meio perdida no tempo e perdia a linha de pensamento tão facilmente que ficava horas quieta e Illa precisava fazê-la pisar novamente na realidade. Ao menos Loydie tinha Aretha para se manter no Controle, e vice-versa, mas Itzel não tinha ninguém em específico, somente aquele grupo de pessoas ali para se agarrar desesperadamente.

E agora, para piorar a necessidade de concentração de Itzel para se manter no Controle, a criatura que não falava um piu desde que tinha conhecido dizia que podia invocar um espírito super poderoso.

- O quê? - Kayron disse, com a voz sussurrada e desinteressada de sempre, mas com um tom arrogante escondido no brilho dos seus olhos.

- Você só pode estar de brincadeira que pode invocar um Asahsqui. Você. De todas as pessoas. - Ela continuou.

Demônios, maldições, e todas essas coisas que jovens gostam.Onde histórias criam vida. Descubra agora