Fantasmas bebendo vinho de cobra

72 18 91
                                    

Demian nunca havia organizado um funeral coletivo.

Na verdade, ele nunca tinha organizado nem um funeral solo, imagine um coletivo.

E organizar era uma palavra muito forte para descrever o que ele tinha feito. Não havia caixões nem corpos para serem enterrados, então o que diabo ele organizaria? A única coisa que ele fez foi, depois de muita insistência da parte de Loydie, pedir para que Cheryl comprasse vinho de cobra. Também chamou Frank, já que Loydie não fazia ideia de como enterros nahuatl funcionavam além da estranha tradição do vinho, pois havia sido criado no meio do mato por si mesmo e pelas vozes em sua cabeça.

Cheryl apareceu no Inferno com uma sacola plástica contendo exatamente quatro garrafas de vinho e foi embora tão rápido quanto quando chegou, pois tinha mais o que fazer. Cada garrafa tinha uma cobra embebida no conteúdo transparente. Apesar de todo o drama envolvendo o dinheiro perdido na festa de casamento fracassada, a vampira estava viva a tempo suficiente para ter dinheiro guardado de épocas em que ela foi viúva de lordes ingleses ou diretora de multinacionais, fazendo com que não lhe fosse um grande sacrifício conseguir aquelas coisas. A única razão de ela estar tentando ter uma vida simples agora é que todo mundo entra em crise e toma decisões estúpidas para se sentir vivo, e os vampiros não são uma exceção.

Demian largou o trabalho no Departamento de Conspirações do Inferno, puxando Loydie pelo braço. Não ia negar que estava pensando que talvez precisasse fazer o enterro de Charlie também, junto com o dos outros, já que fazia quase um mês que ele havia desaparecido misteriosamente, mas tinha quase certeza de que não seria o caso. Charlie não era o tipo de demônio que simplesmente morria. Talvez, se um dia ele chegasse a esse ponto, o desgraçado acabaria ressuscitando só por teimosia e preguiça de mudar de estado, pois ir de vivo para morto requereria uma energia que com certeza ele não estaria afim de gastar. 

Demian se agachou no chão do corredor de pedra do lado de fora da salinha do departamento, puxando Loydie para baixo junto. Hoje, o demônio estava com sua roupa designada para enterros: Um vestido amarelo de alcinha, botas vermelhas de salto alto e uma jaqueta preta de couro, pois preto é a cor do luto. O nahuatl estava com uma camisa cinza do Capitão América e shorts jeans, roupas que Demian havia ocasionalmente roubado de uma arara da C&A, com a justificativa de que o capitalismo é uma ilusão, já que se ele não o praticava, ele não existia. 

- Loy, morde teu dedo pra tirar sangue que eu preciso fazer um desenho no chão pra a gente ir pro Vazio. - Inquiriu Demian, arrumando a sacola plástica para que as garrafas não se quebrassem, já que elas estavam constantemente batendo umas nas outras. Loydie rosnou e mordeu a ponta do dedo, contrariado mas vencido. 

Demian fez um desenho no chão com o dedo sangrando do outro. O relacionamento deles era baseado em compreensão e rosnados, e funcionava muito bem assim, por mais estranho que parecesse.

O desenho no chão era algo satânico dentro de um círculo, e assim que essa coisa brilhou, ambos acabaram se teletransportando para o Vazio. 

E o Vazio estava vazio, como era de se esperar. 

- Era pra a gente fazer isso em casa.

Loydie disse, se levantando e começando a andar, emburrado. Demian deu de ombros, se levantando também e caminhando de forma deslumbrante com sua sacola de bebidas alcoólicas exóticas ao lado do ser de outra dimensão. Casa era algo muito longe do nome adequado para se dar ao lugar onde eles dormiam, já que era um muquifo qualquer no meio do Inferno onde se tinha uma bela vista do lugar onde outros demônios tacavam fogo em almas ao som de Evanescence. Podia-se dizer que era uma vizinhança meio barulhenta, não muito adequada para um evento em homenagem aos mortos, mas não é como se o demônio fosse gastar saliva para explicar isso pela milésima vez. 

Demônios, maldições, e todas essas coisas que jovens gostam.Onde histórias criam vida. Descubra agora