Charlie saiu da praia se sentindo uma sacola de plástico vazia sendo levada pelo vento. Não uma sacola qualquer. Uma daquelas brancas, transparentes e bem frágeis, que depois de quase um minuto em sua trajetória aérea acabaria grudando no para-brisa de um Uno azul grafite dirigido por um bêbado que terminaria batendo o carro em algum poste durante a noite.
Ainda havia seis Kinder ovos roubados em seu bolso, e estava carregando metade do bolo de aniversário na sacola. Tinha se despedido de Cheryl como se estivesse indo de encontro com a própria morte, e naquela altura do campeonato, não duvidava de que realmente estava. Tinha um furo de roteiro estranho na vida dele e o demônio não fazia ideia de se isso era uma coisa boa ou não. Tentou não se importar. Ficou procurando algum beco escondido para que pudesse voltar para o Inferno em vez de ficar pensando besteira e se sentindo miserável.
Conversar com Cheryl fazia ele se sentir um bosta, e com toda a razão do mundo, pois ele sabia que era um bosta, mas ter alguém o relembrando disso fazia doer um pouco. Era cansativo ser um bosta por tantos anos, e ele sentiu que talvez estivesse começando a não querer mais ser um. Charlie tinha sido um inútil durante tempo demais, por motivos de que ele nem se lembrava direito e que já haviam se emaranhado de formas horrendas em sua alma ou qualquer coisa que demônios viessem a ter ao invés disso. A verdade era que ser um grande de um bosta que vive isolado dentro da própria cabeça era algo muito mais confortável do que encarar a vida e os sentimentos complexos alheios que nem sempre vão ser possíveis de entender. Ele era egoísta, antipático, desacreditado, irritadiço e otaku, e se esconder atrás de todos esses defeitos por acreditar não ter nada de bom a oferecer, mesmo que fosse verdade, era um comodismo que estava começando a incomodá-lo.
Quando finalmente chegou no Vazio, teve a realização de que iria tomar vergonha na cara e finalmente agradecer Frank, naquele exato momento. Iria até a laje, e depois de verificar se o outro estava realmente vivo após tanto tempo desacordado, lhe daria um Kinder ovo e um pedaço de bolo. Depois, iria agradecer por ter sido protegido dos tiros por ele e se desculpar por tê-lo feito se machucar daquela forma logo por causa de um demônio desgraçado do tipo do Charlie, que não fez questão de mostrar qualquer compaixão por tamanha merda. Iria agradecer por ele ter ido salvá-lo de um sequestro em outra dimensão, e pedir desculpa por ele acabar se machucando de novo, por causa de uma pressão psicológica ao qual Charlie não havia entendido, mas sabia ser bem ferrada. Iria pedir desculpa por ser o causador de tudo aquilo e por ser um cuzão com o Asahsqui e com o porteiro de maquete que ele chama de chefe, apesar de eles apenas estarem tentando ajudar e fazer a porra do trabalho ao qual eram designados. Iria falar que achava Frank alguém gente boa que não merecia ter passado por tanta desgraça, e que só de possuí-lo por alguns minutos, pôde perceber como a vida dele era sofrida, já que o coitado sentia aquela dor insana o tempo todo.
Depois, Charlie iria dar um segundo Kinder ovo para ele, iria contar sobre o furo na narrativa e se esforçaria para não ir se esconder em seu quarto após expressar os próprios sentimentos de forma tão aberta.
Mas ele não chegou a fazer nenhuma dessas coisas, pois, ao chegar na laje, Ulukie e Frank estavam se beijando.
O demônio não soube direito o que pensar sobre aquilo. Ele realmente não se importava com quem as pessoas beijavam ou não, mas por motivos que ele não iria tentar compreender, aquele beijo o deixou meio doído.
- Eu tenho bolo e Kinder ovo. E eu achei um furo na narrativa da minha maldição. - Foi o que ele disse, afastado o suficiente deles para não parecer um esquisito mas perto o bastante para se fazer ouvido. Sabia que era filha da putagem interromper coisas assim, mas a coisa que havia ficado doída dentro dele acabou o fazendo interromper da forma mais merda possível. Nem a mais profunda epifania envolvendo sacolas plásticas o impediria de ter feito aquilo.
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Demônios, maldições, e todas essas coisas que jovens gostam.
ParanormalCharlie não tinha nenhuma grande expectativa de vida. Ele estava condenado a viver no Vazio, em um bar abandonado e sem clientes, tendo como única companhia um cacto chamado Tiffany e um gameboy quase sem bateria. Mas então, um elevador apareceu e e...