Bunker

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Existem coisas complicadas na vida das pessoas, coisas que elas preferem entocar em algum lugar e esperar que se resolvam sozinhas, ou se não se resolverem, esperar que simplesmente desapareçam. 

O relacionamento com o pai era uma dessas coisas que Ulukie preferia deixar mofando em algum canto sombrio da mente, rezando para que desintegrasse com o tempo. Mas infelizmente, a última coisa que Ulukie tinha era tempo, e agora estava sendo obrigado a visitar seu progenitor depois de seis anos sem se incomodar de dar as caras ou mandar notícias.

Ulukie podia muito bem ser classificado na categoria de "adolescente revoltado com os pais" ao se analisar a situação superficialmente, mas três fatos impediam que isso acontecesse. O primeiro era que ele não era um adolescente. O segundo era que a sua mãe não estava mais viva, o que levava diretamente para o terceiro fato: O responsável remanescente mal havia feito papel de pai durante a vida inteira do filho para que pudesse se considerar descaso da parte de Ulukie mal olhá-lo na cara ou sumir por anos. Ty havia sido mais pai para ele do que Aldebaran poderia ser em mil vidas.

Ele não se deu o trabalho de colocar uma camisa ou limpar o sangue das bandagens que Cheryl tinha feito. Entrou no palácio só de calça, descalço, com o casaco de pelos sujo e ainda molhado pela água da praia em cima de seus ombros, respirando fundo enquanto se sentia um lixo. O nariz quebrado estava pior que nunca e ninguém sabe como ele não tinha desmaiado ainda depois de tanta desgraça ter acontecido. Ao menos estava vestido de forma condizente com o título de fracasso da família que tinha, e isso conseguia fazê-lo se sentir bem dentre tantas coisas problemáticas que estariam por vir. Trazer desgosto para o pai era o mínimo que ele podia fazer quando não conseguia causar mais nenhuma emoção no mesmo, e às vezes, por pior que isso pudesse soar, parecia ser o suficiente.

Ulukie tinha quase certeza de que a única coisa que o mantinha em pé apesar de sua exaustão mais do que óbvia era o meio litro de café que havia tomado no departamento meia hora atrás, momentos antes de que Ty lhe contasse que o maluco do pai dele havia resolvido que era uma boa ideia fazê-lo disputar pelo trono mesmo que ele mal tivesse duas semanas de vida. Tinha absoluta certeza de que se não fosse a cafeína, desabaria ali mesmo e dormiria por dias inteiros, e não haveria pessoa viva no mundo que fosse capaz de acordá-lo. Era exaustivo demais ter que lidar com tanta coisa ao mesmo tempo.

Talvez por conta do cansaço, tudo acabou se passando como um borrão para ele, que mal notou qualquer diferença no lugar mesmo que fizesse um bom tempo que não fosse ali. Andou quase que se arrastando por alguns corredores, procurando por Aldebaran para perguntá-lo o que diabo ele pensava quando ligou para o Ty falando um absurdo daqueles. Queria gritar com ele e perguntar também o porquê de não ter ligado antes, para mostrar que ao menos se importava o mínimo ao ponto de se questionar se a porra do filho único dele ainda estava vivo ou se já havia sido comido por abutres em uma tragédia qualquer. A verdade era que Ulukie deveria ter ignorado aquilo. Ele não tinha obrigação alguma de participar de disputa nenhuma, iria morrer em poucos dias, não tinha bons poderes e nem era considerado um bom pretendente para o trono, mesmo sendo o herdeiro legítimo, então aquilo não tinha nada a ver com ele. Também precisava falar com Frank e aproveitar o resto que lhe sobrava da vida, mesmo que achasse a ideia ridícula, já que se ele não havia aproveitado nada nos últimos 20 anos, o que diabo iria fazer de tão transcendental em tão poucos dias?

Mas mesmo assim ele havia ido, como um idiota. 

Abriu a primeira porta que viu, e deitou no primeiro sofá que arranjou, dormindo em uma facilidade tão incrível que fez parecer ter tido uma morte súbita.

Era mais fácil dormir do que lidar com as próprias decisões estúpidas.

*** 

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