Capítulo 10: O Retorno

4 0 0
                                    

O homem de sombra fala à criatura de sangue:
- Por que estás guardando esta riqueza para si? O tesouro só exerce sua função quando é compartilhado.


***


Uma pessoa anda em círculos porque seu corpo tende a puxar mais para um lado.


***


O monge é plenamente satisfeito com sua prática, mas não anda pelo caminho se gabando por fazer o que tem que fazer. Do mesmo modo, não é porque sabe lutar que o guerreiro deve sair por aí exibindo suas armas e couraças. A guerra vencida deve ser tratada como rito fúnebre.


***


Através de si veja os outros; através de sua família veja as famílias; através de sua comunidade veja as comunidades; através de seu reino veja os reinos; através de seu mundo veja os mundos.


***


Esqueça sua mente, seu corpo e seu espírito. O que resta?


***


Quando um pavão para diante de um espelho, o espelho reflete o pavão. Geralmente, o pavão pensa que é o espelho, mas o espelho jamais pensa que é o pavão. No momento em que o pavão vai embora, o espelho continua sendo ele mesmo. Da mesma forma, quando um burro para na frente do espelho, ele pensa ser o espelho – ao passo que o espelho nem sonha em ser o burro, pois reconhece que aquela figura é transitória e deve ser tratada como tal.
O espelho sabe que nada que represente em sua face é capaz de alterar quem é de verdade, e quando a imagem refletida se vai, ele permanece intacto, sem nenhuma marca ou memória.


***


Como todo mundo, o monge tem sonhos – mas apenas quando está dormindo. Ao acordar, o guerreiro tem metas – e luta para alcançá-las.


***


Não se pode impedir que a Máquina seja utilizada, mas se pode criar algo que a torne obsoleta.


***


Em sua jornada, a jovem notou que o mundo faz todo o possível, todo o tempo, para transformá-la em alguém que ela definitivamente não é. E para ter o simples direito de ser quem é, jamais poderá parar de lutar.


***


O menino gordo de óculos grossos se deleitava com os romances de cavalaria modernos. Ele achava que um dia se descobriria capaz de voar ou de parar uma locomotiva com a força das mãos, sem esforço. Quando ficou um pouco mais velho, percebeu que a vida não é bem assim. Mas ainda pensava que, se treinasse o suficiente, poderia saltar de um prédio a outro e ganhar sozinho uma luta contra dez oponentes treinados e armados.
Quando adquiriu capacidade suficiente para distinguir fantasia e realidade, viu que, afinal, o mundo é bem diferente de um romance de cavalaria, e que após ter treinado por anos, se pulasse um muro razoável e vencesse um único oponente inesperado já faria bem mais que os homens comuns. Até o dia em que voou e parou uma locomotiva com as mãos.


***


Agora, não se deixem levar pelos relatos, pelas tradições, pelos rumores, por aquilo que está nas escrituras, pela razão, pela inferência, pela analogia, pela competência ou confiabilidade de alguém, por respeito por alguém, ou pelo pensamento, "Este contemplativo é o nosso mestre." Quando vocês souberem por vocês mesmos que, "Essas qualidades são hábeis; essas qualidades são isentas de culpa; essas qualidades são elogiadas pelos sábios; essas qualidades quando postas em prática conduzem ao bem-estar e à felicidade" – então vocês devem penetrar e permanecer nelas.
Discurso ao Clã Kalama (Sutra Kalama)


***


O Monge Guerreiro é como a água corrente que molda seu curso conforme a natureza do solo sobre o qual flui. Portanto, como a água que não possui forma constante, no bom combate não existem formas constantes.


***


A felicidade é relativa e efêmera como a vitória; o contentamento é equânime e tolerante como o bom combate.


***


O Mestre chega para o discípulo e propõe um desafio:
- Aqui tem uma garrafa, e dentro da garrafa há um ganso. Quero que você tire o ganso da garrafa, sem quebrar a garrafa e sem matar o ganso.
Ao que o discípulo conclui:
- O ganso está fora da garrafa.


***


O que quer que você acredite, não passa de imaginação.


***


Cada irmão deve se assegurar de não incitar outro à ira ou aborrecimento.
A Regra Primitiva da Ordem dos Cavaleiros do Templo, 38


***


O Mestre alcança o discípulo naquele momento mais difícil da jornada, quando ele não tem mais nenhuma questão a perguntar. Os dois caminham lado a lado, silenciosamente, e o mestre percebe que o discípulo não exibe mais toda aquela movimentação desnecessária de outrora. Então, o Mestre rompe o nobre silêncio:
- Há somente dois erros que se podem fazer no Caminho para a Verdade: não ir até o fim, e não partir.
O outro monge abaixa um pouco a cabeça, em reverência:
- Esteja seguro de que irei até o final, Mestre.
- Pois ao fim deste caminho, me mate.
O discípulo estanca totalmente diante de tal pedido.
- Mas, Mestre... Jamais poderei matá-lo! Quando nos encontramos eu estava completamente perdido, o senhor me nutriu, me guiou, me tornou o que sou hoje!
- Exatamente – diz o Mestre com um semblante sereno. – No fim do Caminho, me mate. Porque no princípio, eu já te matei.
Quando o discípulo está pronto, o mestre desaparece.


FIM DO CAPÍTULO 10

SPIRITUS GLADIUS: O Manual Prático de Combate do Monge GuerreiroOnde histórias criam vida. Descubra agora