Fascínio

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Não parecia real.

Não parecia mundano, trivial ou possível.
O que Camila fazia agora, na nossa frente, me deixava insanamente maravilhado e, ao mesmo tempo, perplexo.

Não conseguia desviar o olhar de sua forma pequena sentada no estofado do estúdio. Com os olhos fechados e expressão completamente entregue, ela impecavelmente demonstrava uma série de melodias e harmonias que me faziam arfar.

Sua voz era impressionantemente treinada para emitir impressões e sensações todas as vezes que era executada, sua leve rouquidão misturando-se com a maciez do seu timbre para derramar encantamento pela sala.

E ela cantava agora um trecho que havia composto para a canção na qual estavámos trabalhando juntos.

Tentando algo diferente, experimentamos colaborar dessa vez apenas na fase de composição e produção, juntando nossas ideias, sintonia e química um com o outro para criar novos trabalhos para outros artistas. Era de fato um processo mais intimista, mais confidente e próximo, o que fazia do nosso tempo juntos no estúdio um trabalho em equipe dos sonhos, uma vez que nossas visões se complementavam e fluíam perfeitamente.

Há uma semana viemos pensando e discutindo conceitos diversos, até que uma ideia pareceu ressonar tanto entre nós dois como com os produtores de som que nos acompanhavam nas sessões. E estávamos agora finalizando os últimos acertos da música para que em seguida pudéssemos gravar uma demo definitiva com nossas vozes.

A música contaria a história de um casal separado por circunstâncias momentâneas, mas que, com a chegada de um fim do mundo hipotético, correriam para os braços um do outro e não perderiam mais tempo criando empecilhos para que pudessem ficar juntos.

Eu e Camila criamos esse conceito depois de uma semana regada à filmes, livros e imaginação livre no período em que estivemos na minha casa, em Toronto. Partimos da vontade de escrever algo original, mas que ainda assim trouxesse a essência de um amor sublime, maior até do que a própria vida.

No entanto, apesar da ideia bem definida, ainda procurávamos pôr algo a mais na ponte da canção. E quebrávamos a cabeça com nossos produtores e editores de áudio, tentando ajustar isso.

Até esse momento.

Ela envolvia à todos naquela sala com sua interpretação emotiva, simulando os arrependimentos de uma garota que não aproveitara o tempo, que não sabia ser escasso, ao lado do seu amor.

E Camila fazia jus à emoção da música, improvisando uma cadência melódica completamente nova e especial.

Sentia cada palavra e variação na sua voz, por isso fecho os olhos e me deixo inundar abertamente com sua disposição de notas. Depois de um tempo assimilando seu fluxo, começo a fazer uma linha melódica paralela, tentando criar uma sequência ritmíca que abraçasse o que saía de sua boca.

E assim criamos algo tão harmonioso que todos nós parecemos sentir que finalmente conseguimos capturar uma atmosfera condizente com o tema da música. E isso parece deixar nossos produtores boquiabertos com a nossa súbita descarga de criatividade, bem como a nossa facilidade de sintetizar a tempestade de ideias que nos envolvia naquele instante.

Esse momento se torna ainda mais singular quando Camila termina sua parte, abrindo os olhos em seguida, ofegante. E ela parecia um pouco distante por um segundo, mas não demora muito para que eu sinta seus olhos em mim. Imediatamente lhe dou um sorriso orgulhoso, ainda anestesiado pela intensidade de suas emoções tão vívidas e bonitas.

Isso me faz pensar que, embora nosso objetivo inicial tenha sido apenas escrever juntos, não poderia deixar de imaginar como ninguém nunca conseguiria fazer jus à canção e transmitir tanta verdade como Camila acabara de fazer. Deixar esta versão apenas entre nós quatro não parecia justo com o resto do mundo.

Mi Cielo - Shots Of LoveOnde histórias criam vida. Descubra agora