Décimo Verso: sobre constelações e conclusões.

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Bem vindes ao último capítulo de Sonetos.


Eu tenho uma constelação particular.

Eu sempre gostei de admirar o céu.

Não sei explicar o que sentia sempre que deitava na grama e admirava o céu, ou quando simplesmente parava o que estava fazendo e caminhava até a janela e ficava ali por horas apenas observando aquela imensidão escura e cheia de estrelas.

Mas sei exatamente o momento que essa obsessão pelo céu começou.

Quando eu tinha dez anos à matriarca da família morreu. Vó Zuzu foi a melhor mulher que eu já conheci. Largou meu avô, um homem dos bem babaca, com cinco filhos pra criar e enfrentou o mundo. Lembro-me de várias conversas que tive com ela quando ainda era uma criança e vovó sempre foi muito sincera. Aliás, um poço de sinceridade, diga-se de passagem.

"As pessoas procuram heróis Felix. De alguma forma, para sua mãe, seus tios e um monte de gente bitolada, eu sou algum tipo de heroína porque larguei o meu marido horrível e fui à luta com cinco crianças pra criar, mas enquanto as pessoas diziam que eu era uma mulher porreta e forte, ninguém oferecia um prato de comida para meus filhos ou uma caixa de leite. Ninguém oferecia ajuda, mas me usavam de exemplo. Exemplo de quê, meu Deus? Eu não queria ser exemplo pra ninguém, eu só estava cansada de apanhar. E sabe o que eu aprendi com isso? Que as pessoas são um lixo."

Sim, minha vó teve essa conversa comigo enquanto eu ainda tinha oitos anos e me perguntava por que os Power Rangers sangravam faíscas. Assim como eu também me lembro da senhora de avental enrolado na cintura e mandando meu tio "calar a maldita boca" quando minha mãe contou feliz da vida que seu filho, a criança que estava sentada no chão da sala rindo alto, queria ser dançarino e o babaca disse que aquilo era coisa de viado sem qualidades.

Guardo na memória ainda os últimos dias de sua vida em que ela me chamou escondida pra cozinha e me entregou um prato de biscoitos e disse que "a vida era curta demais para ficar de castigo".

Também me lembro da minha mãe comentando que Songmin não queria que Changbin convivesse com a vovó só porque Zuzu nunca foi de meias palavras e quando viu o que a filha estava se tornando passou a distribuir broncas e dizer que ela tinha puxado um pouco o gênio do marido que ela abandonou.

Queria inclusive dizer: Vó, um pouco nada, essa cobra veio à cópia do embuste!

Uma pena que Changbin não tenha tido a oportunidade de conviver com ela enquanto ainda estava viva, mas tenho certeza que lá de cima ela está sorrindo por ver que ele finalmente remendou a bússola quebrada e, provavelmente, está querendo matar sua filha por ser uma péssima mãe, afinal bom exemplo não faltou, só falta caráter mesmo.

Minha vó era uma mulher sensacional que me ensinou que heróis não existem, que as pessoas são um lixo e que a vida é curta demais pra pisar em ovos e ficar de castigo. E é por ela que eu ainda olhava as estrelas todos os dias de noite, porque tenho certeza que ela virou uma estrela no céu. Como ela costumava dizer "eu quero virar aqueles piscas-piscas do céu, pelo menos alguma coisa tem que ser iluminada na vida triste dessa velha".

Mamãe costumava responder "você vai é virar o próprio sol" e deixava um beijo em sua bochecha rechonchuda e cheia de sardas como as minhas. Minha mãe estava certa, vovó era o próprio sol, mas do jeito que ela sempre foi tinhosa, deve ter negado o posto de sol e agora está lá, brilhando como uma linda estrela, a mais linda de todas, como ela sempre quis.

Sonetos - changlixOnde histórias criam vida. Descubra agora