O grande dia chegou, e as horas passavam tão rápido quanto uma lebre fugindo do caçador. Todas as esposas de chefes de aldeia daquela região se reuniram na minha casa naquela manhã, trazendo óleos e tecidos, joias e perfumes. A donzela do sacrifício deveria estar em seu melhor estilo ao ser oferecida como uma vaca premiada. Algumas até se mostravam tristes e empáticas, mas a maioria mal conseguia segurar a excitação, como se elas próprias tivessem sido escolhidas. Talvez quando tudo começou esse dia fosse de tristeza e dor, e ao invés de preparar a escolhida como se temperasse uma carne, eles velassem por ela, preparando sua alma, mas agora as únicas pessoas que compadeciam da minha situação era um par de mulheres desconhecidas e minha família. Às vezes eu me perguntava o que aconteceria se isso finalmente acabasse. Acho que alguns se jogariam do penhasco de tanta tristeza e desolação.
Eu fui amaciada, decorada e perfumada durante aquele dia, mais mãos do que eu queria tocaram minha pele, e constantemente eu escutava elogios.
"Com essa pele, ele não vai resistir".
"Olhe só esses olhos, eu juro que posso ver fogo aqui".
"Lembro de quando o meu corpo era tão jovem quanto esse".
Eu suspirava e ignorava, mas podia sentir no peito o coração acelerar a cada vez que algo do tipo era dito. O temor era crescente, assim como meu desejo de fugir. E de ficar. Mesmo que eu soubesse que não faria isso, gostava de pensar em mim correndo pela porta e atravessando a aldeia, sem parar para descansar eu correria e correria até que minhas pernas quebrassem e meu coração parasse de funcionar. Mas mesmo tentando evitar, imagens minhas com um homem de olhos negros conseguiam penetrar minha resistência.
Quando tudo acabou um espelho foi colocado a minha frente, e eu finalmente pude me ver. Minha pele brilhava, os óleos usados destacavam minha cor caramelo, e um pouco de brilho dourado tinha sido polvilhado nos meus ombros, seios e nas maçãs do meu rosto, além das pernas e solas dos pés. Meu cabelo negro foi recolhido e pendurado no alto da minha cabeça, em um penteado elaborado e cheio de tranças, alguns cachos na parte de trás estavam soltos e alguns estavam estrategicamente colocados acima de cada seio, como se o colar de três voltas que rodeava meu pescoço e se derramava sobre eles não fosse o suficiente, e um delicado diadema de ouro repousava em minha cabeça, enfeitando também minha têmpora. O que chamou minha atenção para meu rosto. Meus olhos estavam rodeados por kol, e o negro valorizou ainda mais o âmbar que parecia queimar, minha boca foi pintada com uma tintura dourada e em minhas orelhas estavam duas belas argolas. Para me vestir escolheram um vestido negro, como era a tradição, de tecido diáfano que mal cobria o que devia. O corpete consistia em duas faixas de tecido unidas por fios de ouro nos seios e nas costas, que, percebi quando me virei, se entrelaçavam em uma elaborada confusão, a saia descia suavemente pelos meus quadris e a cada vez que eu me mexia podia ver um pouco das pernas por causa das fendas que iam até o alto das coxas. Eu não usava peças íntimas. E nenhum calçado, apenas uma tornozeleira que produzia um barulho delicado e musical sempre que movia o pé.
Ao menos eu era uma deliciosa vaca premiada.
Quando o sacerdote da aldeia me escolheu no primeiro dia daquele ano, eu mal pude acreditar, me senti congelando, o desespero tomando conta de meu coração, esperando algo acontecer para que a decisão do sacerdote mudasse, esperando me tornar invisível para que pudesse fugir. Mas nada aconteceu, e eu não fugiria deixando minha família para trás. Então me conformei, tudo aconteceria em minutos, nenhum drama, nenhuma lágrima, e então... Fim.
Mas nada me preparou para aquela noite. Quando depois de colocar o livro que estava lendo na cabeceira da cama, apagar a vela, e deitar tranquilamente e dormir, tive meus sonhos invadidos.
Na primeira vez eu me encontrei em uma espécie de jardim, flores das mais variadas espécies coloriam o lugar, e brilhavam, mais intensas que qualquer fogo, o céu não tinha qualquer lua, mas diversas estrelas prateadas derramavam sua luz pura, o cheiro era doce e sedutor, e quase podia senti-lo na boca. Me sentei e fiquei observando, me perguntando de onde veio tanta imaginação.
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Do Outro Lado do Véu
RomantizmHá seculos os portões para o Reino de Obsidyan estão trancados. Os mortais, enfurecidos com a arrogância e desdém de seus protetores, decidem erguer suas armas e se revoltam, preparados para reivindicar seus direitos. No entanto seus planos são dest...