Quatro

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A dor me faz acordar, apesar de não haver ferimentos dessa vez.

A dor das palavras daquela maldita. Palavras que preciso saber se são verdadeiras.

Viemi entra no meu campo de visão. Passou a noite me vigiando, provavelmente. Está sorrindo. Ele arrasta uma cadeira e senta bem próximo a mim. Fico sentada, ainda com o corpo coberto pelo lençol branco.

— Devo algumas explicações, certo?

— Sim, pai! Por favor.

Ele se mexe nervosamente na cadeira.

— Hum... Há vinte anos, recebemos minha família na casa Olitha. Havíamos nos casado há pouco mais de dois anos e era a primeira visita, então a Casa Puran veio em peso. A festa rendeu por dias. Eu fiquei absurdamente bêbado e apostei com meus primos que subiria a Montanha, entraria na floresta e voltaria com vida...

Viemi parece verdadeiramente triste. Jamais o vi assim em toda minha vida.

— Desmaiei quando cheguei lá e acordei nos braços de uma fada. A pele cinza, os olhos brancos e os cabelos mais loiros que já havia visto. Eram bem parecidos com o seu na textura, mas você veio com a cor dos meus cabelos.

"Eu havia me ferido em um galho venenoso e ela me curou. Escondeu-me das outras fadas e nos envolvemos. Eu fugia quase todas as noites para subir a Montanha e ficar com ela. Até que ela engravidou e quando as fadas descobriram que a criança era de um humano, a expulsaram".

Não consigo controlar o choro diante de tudo o que estou ouvindo. Eu sou filha de uma fada. Sou filha de alguém que não pude conhecer.

— Bouvae não queria que o vilarejo soubesse da minha traição, então escondemos sua mãe aqui, até que você nasceu... Eu achei que você estava morta e fui com você nos braços atrás de um médico. Sua mãe implorava para que eu te salvasse. Voltei com você viva, mas encontrei sua mãe morta. É claro que Bouvae se aproveitou da situação para dizer que te aceitava como filha, já que não conseguia engravidar. Só descobri que ela havia envenenado sua mãe muito depois.

Mil vezes maldita! Como ela pode? Como se atreveu a tirar a vida de alguém?

— Então, para manter você a salvo de uma possível maldição por ser uma fada mestiça, permiti que Bouvae te chamasse de filha e treinasse você para ser Matrona. Pelo menos aqui, perto de mim, estava protegida.

— Mesmo assim aceitou que ela me vendesse? - questiono.

— Sim, pensei que pudesse viver melhor longe dos maus tratos e do controle dela.

— Longe de Daikin.

— Sei que errei, desculpe. Não deveria ter concordado com isso.

Agora não faz mais diferença.

— Qual era o nome dela?

— Mistha. Jamais disse o nome dela em voz alta depois que ela se foi, mas não esqueci.

Mistha. Era o nome dela. Da fada que me deu a vida.

— Ela era mesmo uma fada? Tinha asas e tudo?

Papai ri baixinho e percebo que também chora. Deve ter se emocionado com a lembrança.

— Ela voava, mas não tinha asas. Era incrível. Nós os chamamos de fadas, mas me parece que não é bem isso que eles são... Ela tinha uma voz doce e fina e os olhos... Ah, esses olhos lindos!

Ele afaga meu rosto, olhando em meus olhos.

— Sei que errei com Bouvae, mas jamais vi alguém tão linda quanto sua mãe. Só você, é claro.

Véu Negro (EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora