silenciosamente eu me espanto com o meu próprio reflexo num espelho feito com o que um dia pôde ser denominado o brilho dos meus olhos. a minha boca é lentamente arrebentada quando eu me forço contra um sorriso ilegível, efeito causado pela quantia de vapor do chuveiro ligado para fingir que eu ainda me importo com toda a sujeira que a minha alma arca ao se despedaçar nos trilhos esperançosos de um trem que teve a linha interrompida porque o governo cortou os gastos do transporte público e você que se foda tendo que ir de táxi para o trabalho. meu cabelo está desgrenhado e eu o toco como se fosse um amontoado de folhas secas de um outono que ou chegou tarde demais ou de fato nunca apareceu. meu rosto é pálido, a minha boca é muda e os meus ouvidos são surdos de ódio.
seguro na barra apoiadora para entrar no chuveiro pois me corrompo de vez enquando aos desprazeres de me ver nua, rindo de cada uma das minhas articulações de ferro que deram lugar à uma postura totalmente arcaica do século retrasado, onde os meus pés são grandes demais, os meus dedos são pequenos e as minhas pernas e mãos são tortas como um pedaço de ferro que envergou depois de muoto tempo exposto à temperaturas desumanas. e é assim que eu vivo, qurendo ou não.
a água quente derrete o meu âmago até que eu seja o mais próximo possível de uma vela que passou sete dias acesa sob pedidos encarecidos de alguém preguiçoso o suficiente para ir e fazer o que deseja. o shampoo se torna verde em minhas mãos puras bolhas de um sabão com cheiro de samambaia, o que é claramente é minha culpa, porque talvez eu nem tenha lido a porra do rótulo do spray de cabelo verde que eu comprei por um preço absurdo para ir fantasiada numa festa que eu nem quis ir.
quando eu saio do banheiro, eu te peço uma toalha, com o rosto limpo exibindo um sorriso metade-metade. meus olhos ficam mentalmente marejados e eu me contenho o máximo que eu consigo para não deixar transparecer a minha vontade de sair correndo para a casa onde eu pertenço, simplesmente porque eu gosto o suficientemente de você para que eu me sujeite à situações desconfortáveis.
me desculpe por tomar todo o seu suco de laranja e comer todas as suas balinhas de goma amarelas com a desculpa de que eu estou com muita, muita fome.
acho que tudo isso não passa de uma desculpa para eu ir dormir mais cedo do que eu deveria, banhada na minha vontade de virar para o lado e simplesmente não segurar mais a sua mão e fingir que você não existe.
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𝗇𝗈𝗏𝖾𝗆𝖻𝖾𝗋
Poetry‧⁺◞ ̑̑: 𝖆𝖑𝖑 𝖙𝖍𝖆𝖙 𝖜𝖊 𝖈𝖆𝖓 𝖉𝖔 𝖙𝖔 𝖍𝖊𝖑𝖕 𝖔𝖚𝖗𝖘𝖊𝖑𝖛𝖊𝖘 𝖎𝖘 𝖘𝖙𝖆𝖞 𝖆𝖑𝖎𝖛𝖊 #1 drabble - 27/11