As amantes

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O meu tio tinha uma amante. Todos sabíamos. Todos conviviam com ela. Todos achavam que ela era uma boa pessoa.

Eu era a sua "filha", ela dizia. Tínhamos olhos claros, cabelos castanho claro e pele clara. Mas não éramos brancas. Éramos sarará. Era o que todos nos diziam.

Eu gostava dela. Gostava do seu jeito alegre e do carinho e atenção que reservava a mim.

Mesmo gostando da amante de meu tio, minha mãe diz que minha avó não deveria tê-la aceitado em sua casa, já que meu tio era casado e tinha filhos com a esposa. E que tudo foi um grande equívoco, por isso é que só podia ter dado errado.

Hoje, a amante do meu tio não é mais. Criança, um dia, depois de muito tempo sem vê-la, soube que ela tinha virado estrela. Não chorei, mas fiquei cadente por algum tempo.

**

Aquela noite desistimos de brincar em frente às nossas casas. O que nos interessava estava mais acima na rua: um caso peculiar de adultério.

Partimos aos bandos. Era preciso investigar. Era preciso julgá-la. Era preciso saber se de fato era nossa vizinha.

Era ela, mas não estava sozinha. Era ela e outra, na casa do moço. Logo depois o marido dela chegou, de bicicleta. Entrou na casa sem pedir licença, pois a casa estava com a porta da frente arreganhada.

Discutiram. Ele a agrediu. Ela chorava, gritava de dor e vergonha. Nós ríamos. Eu me sentia mal, mas ria. Não queria ser a estraga-prazeres.

Entre o choro e os xingamentos, ela levava a mão à cabeça, pois tinha sido atingida por uma panela. Sua amiga não se abalou. Era preciso terminar o serviço.

Ela maldizia a si e a todos. O marido saiu da casa e prometeu abandoná-la. Ele xingava ela e a amiga. Xingou a garotada. Apenas ríamos.

Cansamos. Voltamos para a porta de nossas casas. Enquanto brincávamos, seu choro e lamento eram ouvidos ao fundo.

Para nós, a vida era uma graça noturna. Para ela e os filhos, a vida era uma desgraça diária.

Todos sabíamos disso. Mas nenhum de nós, a vizinhança, parecia se importar.

Contos de RouxinolOnde histórias criam vida. Descubra agora