Lembro-me exatamente da primeira vez que vi Valerie: eu caminhava pelo lado esquerdo da rua com meu avô, quando olhei à minha direita e vi Valerie e seu pai.
Estavam sentados à porta de casa. Ele estava sentado numa cadeira plástica branca e Valerie estava aninhada em seu colo, com uma chupeta na boca, sendo ninada por ele.
Lembro-me também de ter perguntado ao meu avô quem eram aquelas duas pessoas, mas já não me recordo se obtive resposta. Provavelmente, sim, já que meu avô sempre foi uma pessoa atenciosa, por isso, acho que eu é quem tenha esquecido completamente.
Conheci Valerie de fato quando ainda éramos crianças. Nessa época, nós costumávamos nos encontrar na rua onde eu morava. Ela morava numa rua bastante próxima.
Nunca tivemos muitos interesses em comum, mas fomos muito próximas durante algum tempo. Valerie era um ano mais jovem que eu.
Mesmo as ruas em que morávamos sendo próximas, sua mãe não a deixava sair sozinha.
Então, sempre que nos aparecia, estava acompanhada de sua irmã mais velha, que ia à casa de suas amigas -- nessa mesma rua --, enquanto Valerie ficava fora da casa, para brincar conosco.
Na verdade, a maioria das vezes, não ia à nossa rua interessada em brincar. Com pouco tempo que havia chegado, escolhia um garoto-alvo e lá íamos todos nós, garotas e garotos, convencê-lo a beijá-la.
Essa ficava sendo a nossa brincadeira empolgante pelo resto da noite e o assunto sobre o qual trataríamos entre nós, longe dos nossos pais, durante os dias em que Valerie não estivesse presente.
Mesmo assim, encontramo-nos poucas vezes durante a infância.
Na pré-adolescência, Valerie passou a ser julgada pela maioria dos adolescentes como uma garota fácil, sem pudor, pois aceitava, sem joguinhos de conquista, se envolver sexualmente com garotos que estavam dispostos.
Ela era muito popular nas redes sociais, pois adorava postar fotos com efeitos digitais que, segundo a maioria dos jovens, melhoravam a sua aparência física.
A ascensão de sua popularidade, na vida real, ocorreu quando ela tingiu o cabelo de vermelho e se tornou conhecida em toda a cidade como "a garota do cabelo de fogo". Muitos garotos populares demonstravam interesse em Valerie. Ela, raramente, os dispensava.
Na adolescência, eu e Valerie ficamos próximas. Éramos tão próximas que diziam pensar sermos irmãs. Ela me chamava de "Fiel", por eu sempre estar por perto.
Íamos à casa uma da outra, frequentemente. Tínhamos muitos amigos em comum. Sua mãe nada havia mudado com relação às suas saídas noturnas. Só conseguia sair de casa aos finais de semana, depois de fazer as tarefas domésticas durante a semana inteira.
Íamos à praça, no centro da cidade, já que a população jovem se concentrava lá nos finais de semana.
Nessa época, a maioria das vezes, Valerie é quem fazia o contato virtual com o pretendente para a sua aventura amorosa noturna.
Eu e mais alguns amigos seus ficávamos à sua espera, prontos para ouvir o que ela tinha a nos contar sobre o que acabara de viver.
Nós nos divertimos muito praticando pequenos vandalismos pelas ruas. Esses momentos eram os únicos em que eu e ela parecíamos pertencer ao mesmo mundo ou que nossa amizade valia à pena.
Não sentia que ela era uma boa amiga, mas sempre tive consciência de que isso não era sua obrigação e, portanto, nunca a cobrei que fosse fiel à nossa amizade juvenil.
Ela tinha outros amigos, alguns que praticavam, sem arrependimento, atitudes mesquinhas, até mesmo contra ela.
Valerie parecia não se importar com tais atitudes, desde que estas, de alguma forma, lhe trouxessem experiências prazerosas.
Ser sua amiga me custava esforços psicológicos que, diversas vezes, me tornaram um ser humano insensível.
Aprendi muitas coisas observando, admiradamente, a vida frágil e superficial de Valerie.
Admirava-me, especialmente, o fato de que ela não desistia de obter prazer por medo de julgamentos.
Valerie era uma garota forte, decidida. Acho que esse tenha sido o meu motivo para mantê-la por perto, pois, naqueles momentos, eu precisava ter como espelho uma adolescente dona de sua própria vontade e que possuísse consciência independente, como era e possuía Valerie.

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Contos de Rouxinol
Short StoryColetânea de contos que versam sobre assuntos variados. A maioria deles foi escrita a partir das memórias de uma jovem adulta sobre acontecimentos referentes à infância/adolescência. Alguns, a minoria, são elucubrações da idade adulta.