Um homem de sorte e uma mulher com punhos de aço

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É fato que tivera uma infância difícil. Por isso, era costume lhe ouvir dizer que nem sequer tivera infância.

Era o mais velho dos filhos de sua mãe. Todos os irmãos dele também tiveram vidas difíceis: aquelas que se têm constantemente no estômago um vazio doloroso e nos ouvidos a falta de palavras afetuosas. 

Quando resolveu sair de casa, sequer avisou à mãe. Fugiu, porque naquele momento era necessário, explica-se.

Voltou, porque tinha que ser. Começou a trabalhar ainda cedo, no mangue, catando caranguejo. E não parou mais, porque não tinha escolha.

Não podia, também, escolher a profissão. Aceitava qualquer tipo de emprego.

Até que, finalmente, se encontrou profissionalmente ou simplesmente se encaixou. 

Casou-se. Teve filhos. Separou-se. Casou-se novamente. Mais filhos. Por consequência das suas condições de vida, nunca foi à escola.

Com a mãe, possivelmente, adquiriu o vício por jogos de aposta, pelo cigarro e pela bebida. Como pensa e julga sua esposa: seus demônios, seus piores defeitos. 

A verdade também é que nunca soube – talvez porque não lhe ensinaram – administrar seu próprio dinheiro.

Hoje, já aposentado, diz que sua maior conquista na vida, mesmo sendo analfabeto, foi ter conseguido se aposentar recebendo uma aposentadoria digna. 

Quando sóbrio, costuma ser um homem calado e paciente. Quando embriagado, agressivo e falastrão.

Sua esposa, mulher com punhos de aço, sempre esteve ao seu lado, mesmo tendo personalidades bastante divergentes.

A verdade é que o relacionamento dos dois é e sempre foi complicado. A verdade é que ele é um homem de sorte por tê-la. E, no fundo, talvez, ele saiba que essa tenha sido sua maior conquista na vida. 

Quando falo com ele ao telefone, me diz que está com saudades e que é para eu não demorar em ir vê-lo.

Eu, com lágrimas nos olhos, custo a acreditar quando lembro que esse mesmo homem, um dia, quebrou o braço de minha mãe. 

Da mesma forma, é quase tão difícil dizer a ela que eles vivem um relacionamento fracassado, porque o homem que eu estaria diretamente ofendendo é meu pai. 

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