Capítulo 8- Uma fuga para Londres

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O ar frio de Londres costumava ser uma coisa boa. Costumava. Mas depois que o conforto da sua cama é tirado de você, isso passa a ser a pior coisa do mundo. Eu sentia frio, independentemente de dormir usando dois casacos de pele; e eu acordava sentindo frio, eu dormia sentindo frio, eu não aguentava mais aquilo, mesmo só um dia assim. Minhas roupas estavam acabando. 'Boa, Amber, eu mandei você pegar todas as suas roupas...'. Droga! Eu só conseguia ter raiva de mim mesma. Eu prometi que não iria abaixar a cabeça em momento nenhum, que iria ser forte, mas como ser forte nessa situação? Nunca passei por isso, eu sempre tive todo o meu conforto, e eu não me importaria de ter de volta, desde que esse conforto não venha com meus pais juntos, porque aí, sim, eu preferiria passar frio.
  — Amber!
  Eu senti meu corpo se balançando, mas a minha preguiça era tanta que eu não fiz questão de abrir os olhos.
  — Amber! — a voz que estava me chamando falou mais alto — acorda! Você não está em casa.
  Eu não queria acordar, mas Mary continuava a sacudir meu corpo que ele acabou encostando em alguma coisa pontiaguda no chão e eu levantei.
  — Ai! — exclamei de dor.
  Quando vi, Mary já estava em pé, e ela rapidamente jogou algumas roupas na minha cara, sem eu nem ter acordado direito.
  — Bom dia para você também!
  — Levanta. A gente não pode ficar o dia todo aqui.
  Eu me levantei, com muito custo, e peguei as minhas roupas que, agora, estavam no chão.
  — Ah! — eu revirei os olhos — Por Deus, eu estou toda doída.
  Mary me ignorou e continuou a se ajeitar.
  — Você não? — perguntei enquanto amarrava meu cabelo.
  Ela se virou para mim e abriu um sorriso falso:
  — Não!
  Estranho. Mary estava estranha.
  Ela agia como se alguma coisa tivesse errada. O seu olhar era preocupado e tudo que ela fazia era rápido como um flash.
  Eu terminei de por minhas roupas e sentei-me novamente no chão e, de novo, alguma coisa me furou.
  — Ai! — eu me levantei e passei a mão na minha perna, onde tinha sido 'furado' — Será que não tem nenhum lugar aqui que não esteja caindo aos pedaços? — disse, irritada.
  Mary se virou para mim e me olhou, com um olhar penetrante.
  — Você consegue um lugar para dormir e ainda reclama? — ela riu.
  — Não é que eu esteja reclamando, é só que, não sei, você poderia ter arranjado um lugar com menos pregos!
  — O quê? — Mary me fitou.
  Assim que me ouviu dizer isso, ela correu para a mesa de madeira velha que tinha no meio do balcão onde estávamos, pegou a minha bolsa e jogou em cima de mim.
  Eu a olhei, incrédula.
  — Se você acha que é fácil arranjar um lugar para dormir, vá em frente!
  Eu franzi o cenho
  — Mary, não foi isso que eu quis dizer...
  — Então o que foi? — ela cruzou os braços — Só porque eu tenho uma vida dura não significa que eu durma na rua ou consiga um lugar para dormir assim — ela estalou os dedos —, do nada.
  Eu larguei minhas coisas no chão e me aproximei. Ela definitivamente não estava bem.
  — Eu não disse isso! — falei, com toda calma possível — Eu não acho que você dorme na rua, eu não quis dizer isso. Eu só disse isso porque achei que você tivesse amigos aqui — que eu sei que você tem — que pudessem nos ajudar. Só isso.
  Ela finalmente pareceu ter me entendido quando cobriu o rosto com as mãos e se apoiou na cadeira. Sua expressão mudara.
  Mary sempre foi muito doida e, por isso, sempre fugiu de casa para ir a festas. Ela tinha diversos amigos que viviam a mesma vida conturbada que ela, mas sempre tivera um sorriso no rosto. Mas hoje ela estava diferente. O sorriso tinha sumido, a alegria tinha ido para o ralo. E eu não entendia.
  — Me perdoe, é que hoje eu não acordei bem — ela tirou a mão do rosto e coçou a cabeça, então eu pude ver um pouco de sua maquiagem borrada.
  — Ei... — eu me aproximei e pus a mão eu seu ombro — Você pode falar comigo!
  — Eu sei. É só que... é muita coisa — ela olhou para o céu — Eu queria ter uma vida menos agitada. Como a sua. Ou como costumava ser...
  Eu novamente franzi o cenho e cruzei os braços
  — Como assim "é muita coisa"?
  Eu perguntei; ela me olhou; e não disse absolutamente nada. Mas pelo olhar dela, eu sabia que alguma coisa estava errada.
  Eu ajeitei a minha postura
  — O que você não está me contando, Mary?
  Ela me olhou, com um olhar que pedia piedade, e pensou. Pensou se me falaria
  — Eu... — deu uma pausa e se levantou — Não é nada. Deixa.
  Ela começou a andar, mas eu agarrei em seu braço e a trouxe de volta para mim. Ela era minha prima. Seja o que for, querendo ou não, eu vou sempre ter que apoiá-la.
  Eu a encarei. A encarei com meu olhar de superioridade, que mesmo ela sendo mais velha, respeitava. Ela entendeu que não ia conseguir sair dali sem falar, então ela finalmente o fez:
  — É a minha mãe.
  — O que tem a sua mãe? — eu não entendi.
  — Ela não está em Portugal cuidando dos animaizinhos — ela riu quando disse isso — Ela está em Las Vegas, morando no mesmo lugar, na mesma casa, e no mesmo endereço.
— Como assim? — eu perguntei, intrigada pelo o que ela estava falando.
Ela coçou os olhos e hesitou continuar a falar
— Como assim, Mary? — eu me aproximei.
Ela respirou fundo e me olhou bem no fundo dos olhos.
— Ela me expulsou de casa.
Eu fiquei em choque.
Mary não tinha me contado isso. Ela simplesmente apareceu em Londres nas férias, como sempre fazia.
  — Mary...
  — E então eu vim parar aqui — ela me interrompeu — Eu esperei as férias pra vocês não suspeitarem de nada — ela deu uma pausa — Eu achei que aqui eu ia conseguir ficar por um tempo com conforto, porque, você não mentiu, eu realmente dormia na rua. Mas, de repente, você é expulsa de casa, e cá estou eu de novo, na mesma situação, só que em países diferentes.
  Eu não tenho certeza se Mary falou mais alguma coisa, eu só sei que eu não vi, não ouvi e nem escutei mais nada depois que ela contou o real motivo dela estar aqui.
  Meu corpo tremia, minhas mãos suavam, minhas pernas estavam bambas... era muita informação para uma manhã apenas, e que informação! Eu nunca imaginei que Mary um dia passaria por isso. Na verdade, sim, já passou pela minha cabeça, mas ela vir parar aqui, em Londres? Eu não sei se conseguiria lidar com isso!
  Mary era difícil de lidar, eu confirmo isso, mas ela não merecia passar por nada disso. Ela sempre foi forte e resistente, confiante, ela tinha sempre certeza do que queria e, do nada, a vida dela estava acabada.
  — Por que você não me contou isso? — eu a encarei, ela parecia não querer falar mais nada — Você sabe que pode confiar em mim, eu te ajudaria, eu faria qualquer coisa! Eu mandaria dinheiro, comida, o que você quisesse!
  — Não achei que fosse uma boa ideia te contar isso por telefone.
  — E por que você não me disse quando chegou? — eu comecei a ficar um pouco irritada — Por que você disse que sua mãe estava em Portugal? Mary, você tem noção do que é isso tudo?
  — Eu tenho, Amber! — ela gritou comigo — Eu tenho, ok? Não pense que eu não sobreviverei a isso, mas eu não queria atrapalhar. Eu não achei que nada disso fosse acontecer com você, com a gente!
  Eu pus a mão no queixo e refleti. Sobre o que, exatamente? Eu não sei!
  Eu não conseguia pensar direito, minha mente estava acelerada, meu coração pulsava tão rápido que eu achei que fosse morrer. Talvez eu realmente fosse morrer; morrer de raiva.
  Eu me acalmei. Discutir isso com raiva e agitação só ia piorar. Não iria mudar nada de qualquer forma.
  — Há quanto tempo você ficou morando na rua? — perguntei, sutilmente
  — Dois meses.
  Eu respirei fundo. Dois meses!
  — Eu só não entendo por quê... — Eu a olhei — Por que esconder isso? Eu poderia ter te ajudado!
  — Ei, Amber! Já passou, ok? — Ela veio ao meu encontro e me deu um abraço — Eu errei, eu deveria ter te falado, mas eu não falei. Agora o que a gente deve fazer é viver o presente e tentar arrumar um lugar decente, já que você não gosta de pregos.
  Eu ri e me desvinculei do abraço dela.
  — A gente vai sair dessa
  — Vamos sim. — Mas agora você, mocinha, vai para o trabalho, pois nós precisamos de money!
  Nós duas rimos e então deixamos o balcão onde estávamos.
  Nós iríamos sair dessa, eu tinha certeza que sim

Selfish || Duff MckaganOnde histórias criam vida. Descubra agora