Capítulo 11- Fuga?

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  Era, de alguma forma, estranho. Não, era completamente estranho. O que era estranho? A situação atual da minha vida. Eu me encontrava perdidamente perdida. E o mais estranho era como a minha vida ficara assim: do nada e sem algum motivo plausível. Eu queria liberdade? Tudo bem, era só esperar até meus pais me liberarem para a vida, mas não, eu tinha que ser atrevida o bastante para pegar tudo e sair; sair sem nada, literalmente. Minha vida fora arruinada a partir do momento em que eu saí por aquele maldita porta; minha carreira, meu futuro, meu tudo. E ainda tinha que carregar um peso comigo.
Mary não era, em nenhuma hipótese, a melhor das companheiras. Por quê? Ora, ela só dava prejuízo. E eu podia provar isso na situação atual em que eu me encontrava: num hospital com uma prima bêbada quase-morta na cama de um quarto.
-- Como ela está? -- perguntei à enfermeira, tentando descobrir se mina voz saíra preocupada ou com raiva.
-- Bem, não precisamos fazer cirurgia.
Algo dentro de mim se aliviou.
-- Mas ela não está no melhor dos estados -- a enfermeira disse, com uma expressão preocupada -- Aconselhamos que ela fique aqui por mais uma semana.
-- O quê? -- minha garganta praticamente falou por si mesma.
Uma semana? Eu definitivamente não tinha dinheiro para pagar isso tudo!
-- Não. Não podemos ficar aqui por uma semana -- falei, e olhei para Duff. Ele estava com a mesma expressão que a minha. "merda".
—É o aconselhável, senhorita. Aqui nós poderemos acompanhá-la melhor.
A enfermeira falava com uma calma aterrorizante. Isso me dava vontade de socar a cara dela.
-- Meu Deus, meu Deus, meu Deus... -- falei para mim mesma.
Duff provavelmente percebeu o meu nervosismo e dispensou a enfermeira, dizendo que daríamos um jeito nisso tudo.
  Eu não tinha condições de ficar com Mary uma semana naquela hospital. Nem financeira, nem emocional. A minha vida estava cagada e eu não sabia mais para aonde correr.
  — Eu vou matar essa garota — disse, logo após me sentar numa poltrona e esconder meu rosto com as mãos.
  — Fica tranquila, a gente dá um jeito — Duff disse enquanto se aproveitava do suco que estava numa mesa.
  — "Fica tranquila"? Como? — o olhei — Primeiro ela quase se mata, depois ela tem que ficar uma semana nesse hospital, sendo que a gente não tem dinheiro para isso! Como eu posso ficar calma????
  Eu devo ter falado alto demais, porque logo após minha fala, Mary acordou, gemendo.
  — Ah, meu Deus — eu a olhei acordando — Como você está? — me levantei rapidamente e peguei na mão de Mary — Mary?
  Ela não respondia.
  Mary estava péssima. Parecia que um caminhão tinha passado por cima dela. Estava com um olho aberto e o outro um pouco fechado, analisando o lugar.
  Ela tentou se levantar, mas obviamente a dor de seu corte não permitiu, fazendo ela quase gritar:
  — Ai!
  — Você não pode se levantar agora — disse tentando a segurar.
  Duff se aproximou, comendo uma geleia.
  — Você consegue pelo menos falar? — perguntei, como se não fosse óbvio.
  — O vidro não pegou na garganta dela. É claro que pode falar — Duff disse rindo.
  Eu o olhei. O olhei freneticamente, e ele entendeu o recado, porque se afastou.
  Mary voltou para a realidade e, finalmente, abriu os dois olhos.
  — O que aconteceu?
  — Você caiu em cima de uma mesa, e se machucou muito.
  — Como? — ela perguntou, meio zonza.
  — Não sei — disse ironicamente — Talvez porque você estivesse bêbada demais.
Ela riu. Ou pelo menos tentou.
Algo dentro de mim se aliviou na mesma hora em que um pouco de seu sorriso apareceu. Mary podia ser tudo de ruim, mas também era tudo de bom, e bem, estávamos nessa juntas.
Não me preocupei com nada quando meu coração falou mais alto, me fazendo dar em abraço apertado nela, por durante muito tempo.
Só tínhamos nós duas, era eu por ela e ela por mim, e eu certamente não saberia viver sem ela agora. No início a achava exagerada demais em querer ser livre, mas agora eu a entendia, e faria de tudo para protegê-la.
-- Bem, se não morri nessa, acredito que não morrerei nunca mais -- ela disse brincando após eu me afastar.
Eu e Duff sorrimos.
-- Mas agora o que vamos fazer? -- ela perguntou, preocupada.
-- Vocês duas irão ficar lá em casa, pelo menos até alguém achar uma moradia.
Eu o olhei surpresa.
Não, não era na verdade uma surpresa, eu já esperava, de alguma forma, essa atitude de Duff, mas de alguma forma ele não parava de me surpreender.
-- Agradecemos por isso -- eu peguei na mão dele e dei um sorriso. Estava muito grata por tudo o que ele tinha feito por nós.
-- Bem -- ele esfregou as mãos, analisando o quarto do hospital -- agora temos de dar um jeito de te tirar daqui sem que ninguém perceba.
O quê???????
Eu o impedi de sair do lugar levando minha mão a seu peito.
-- Você está ficando louco? Não escutou o que a enfermeira falou.
Ele me olhou, debochado, olhou para minha mão, e não hesitou em dizer:
-- Você tem dinheiro para pagar?
Ai.
Balancei a cabeça de forma negativa. Eu e ele sabíamos que seria impossível pagar.
-- Nem eu -- ele pegou em minha mão e a retirou, passando por mim e indo levantar Mary da cama.
Ótimo. A que ponto da minha vida eu cheguei...

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Eu não sei o que aconteceu e nem como aconteceu, mas de repente, estávamos dento do carro, Mary com a roupa que usava na festa, quase desmaiando. Eu não sabia o que era o certo a se fazer, eu estava de alguma forma enlouquecendo em meu interior, e além do mais eu precisava descansar.
Chegamos na casa de Duff. Subimos para seu quarto e deitamos Mary em uma cama. Espontaneamente eu me deitei ao lado dela. Duff nos deixou ali, e eu só precisava descansar um pouquinho. Afinal, que horas eram?
Ah, por Deus, eu estava morta! Toda a adrenalina do meu corpo foi embora, e agora eu estava sentindo os sintomas de uma pessoa quase morta.
Finalmente fechei os meus olhos, estava começando a cair no sono, quando de repente...
-- Psiu!
Ah não.
Olhei para o lado, Mary.
-- Oi.
-- Ele é uma boa pessoa.
-- O quê? -- disse, fechando os olhos e não entendendo muito bem o que ela disse.
Ela riu
-- Duff! Ele é uma boa pessoa.
-- Ah. Sim, ele é -- abri os meus olhos um pouco e dei um sorriso. Esperançosa que o assunto tinha acabado, me virei de barriga para cima e fechei com vontade os meus olhos. Doce sono...
-- Eu acho que ele gosta de você.
-- Ahhh -- gemi alto. Eu só queria dormir!
Ela virou a cabeça para olhar o teto
-- E também acho que você gosta dele -- ela sorriu. Eu não vi, mas sabia pela sua voz -- E eu super apoio.
-- Você está ficando doida. Com certeza isso é efeito da anestesia -- disse ainda com os olhos fechados.
Com certeza
-- Ele já te beijou?
Abri meu olhos.
-- O quê? Ah- hn, claro qu-ue não!
Ela riu, sabia que eu estava mentindo.
E eu sentei na cama, certamente não era uma boa hora para falar disso.
A olhei com um olhar bem firme.
-- Isso não quer dizer nada.
-- Ora, é claro que quer dizer algo! -- ela abriu um enorme sorriso -- Vocês estão todos bobinhos apaixonados. Todo mundo vê isso.
Todo mundo?
-- Você está ficando doida! -- me joguei na cama depois, e novamente fechei meus olhos.
Um minuto de silêncio constrangedor tomou conta do quarto. Eu esperava dormir, mas de novo parece que algum tipo de adrenalina tomou conta de mim.
Me sentei na cama e olhei para o nada.
-- Eu nunca esperei passar por isso.
-- O quê?
-- Por isso tudo -- gesticulei -- Não tenho casa, não tenho um dinheiro sequer. Não tenho expectativa de vida. Estou andando com pessoas que nunca imaginei. -- Virei meu tronco e a olhei -- No que estou me tornando?
Ela, com uma cara ainda meio boba, me respondeu, e parecia a pessoa mais sábia do mundo naquele momento:
— Você está se tornando o que você sempre quis ser: uma pessoa livre. Seus pais eram insuportáveis, e você de algum jeito sempre soube isso. Você sabe o que quer, mas tem medo, porque a liberdade ainda é estranha para você.
E ela tinha razão. Não gostava da vida que vivia, sabia que algo a mais me esperava, mas sempre tive medo, era fraca e covarde. E quando finalmente saí para o mundo, me sentia estranha. E de fato é estranho. Essa liberdade é estranha e prazeirosa ao mesmo tempo. Mas o que eu queria de mim? Bem, ainda era algo sem resposta, que, com o tempo, eu tinha certeza que descobriria. Mary abriu os meus olhos novamente, espantando o medo que habitava em mim.
A minha vida mudaria inteiramente, e negar essa mudança seria pior.
-- Você certamente ainda está dopada -- sorri.
Deitei na cama, sabendo que Mary estava certa, só era difícil de admitir.
Admitir que minha vida mudara, e que eu nunca mais seria a mesma eu.
Era, de fato, difícil...

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Selfish || Duff MckaganOnde histórias criam vida. Descubra agora