Meia dúzia de batidas

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Apesar das várias horas corridas desde a descoberta sobre a verdadeira identidade de Shion, o consciente de Neji parecia não ter processado a informação. Era como ver ou ouvir algo embaixo d'água; como estar imerso num nevoeiro. Dividindo a cama com a solidão, o rapaz se agarrava ao travesseiro. Os cabelos desgrenhados e os olhos cansados denunciavam uma noite difícil, além de mal dormida. Ele engolia a seco, notando o nó na garganta aumentar. Sentia-se sufocado.

Por mais que tentasse, não conseguia afastar as lembranças sobre o "Incidente Naruto", que ocorreu há quase cinco anos, mas Neji lembrava de cada detalhe como se acabasse de acontecer. Se fechasse os olhos, poderia ouvir o rangido da porta abrindo, o baque dos copos no chão, o choro da prima antes e depois de rolar escada abaixo. O grito da tia, o grito de Naruto, menos o dele. Neji não tinha conseguido gritar. Ele ainda não conseguia gritar, mal conseguia respirar. O ar entrava hesitante nas narinas, esmagador era o peso da culpa. Fechou os olhos, arfou. E arfou contra o travesseiro mais uma vez. Queria chorar; se isso fizesse com que se sentisse melhor, queria desesperadamente chorar.

Outrora, o remorso se apresentou no estado mais puro, mas depois de cinco anos reagindo com o tempo, junto com o ódio da vítima devido à traição e a falta de iniciativa do Hyuuga para pôr tudo em pratos limpos com a prima resultaram em diversos subprodutos que os intoxicaram. A doçura de Hinata se tornou amarga, o cor-de-rosa, cinza. As piadas bobas se tornaram provocações ácidas. De fala tão ríspida, sem gentileza alguma, principalmente quando se tratava dele. Mas Neji sabia seu lugar, inclusive o fato de que o relacionamento deles não podia ser salvo depois de tanto tempo. Não adiantava fingir simpatia para conquistar afeição, não adiantava fazer gracinhas como se nada tivesse acontecido; esta última nunca surtiu efeito. Não adiantava. Nada adiantou.

Encolhido, pôs as mãos na barriga e a apertou. O buraco vazio dentro de si parecia crescer como um monstro. O rapaz torceu para que fosse apenas fome, e não uma crise surgindo do abismo para tentar engoli-lo. A verdade é que o erro de Neji não só consumira Hinata, como também a ele mesmo. Pensar nisso o fazia apertar os olhos. Ela sempre seria a vítima da situação, se um dos fragmentos da bomba o atingiu, problema dele.

Aliás, tal problema tinha um nome; "o bloqueio". Este sempre surgia em momentos específicos. Se Neji começava a se interessar por alguém, bloqueio; se conseguisse algo que o deixasse muito feliz, bloqueio; se tentasse pensar um pouco mais em si, bloqueio. Não era uma ferida de convívio agradável, o garoto, inclusive, já havia tentado combatê-la, mas a exposição constante à antipatia da prima conseguia voltar a feri-lo. Por isso o rapaz arfava contra o travesseiro a fim de chorar tudo o que tinha para ser chorado, mas não foi. Ele achava que merecia cada dor, que merecia ser punido de alguma maneira. 

A crise tinha vindo com força total, de fato. As memórias de Neji correram como um filme, então veio a conclusão dolorosa. Ele havia sido o culpado pelo "Incidente Naruto", culpado pela amargura de Hinata e pela própria desgraça. O erro dele transformou tanto ele quanto a prima em dois solitários, que, com intenções abstratas, criaram contas em um site para tarados. Isto é, se os dois se apaixonaram por nicknames, conversas carinhosas e as imagens de corpos nus no monitor, a culpa, mais uma vez, era dele.  O Hyuuga pôs as mãos na cabeça, como um hábito em tempos de desespero. Mesmo depois de cinco anos, Neji estava fadado a magoar Hinata mais uma vez.

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Quando o sol rasgou o horizonte, Neji sentiu a necessidade de espaço para arejar a cabeça. Afinal, a primeira decisão tomada foi a de contar a descoberta para Hinata, apesar de ainda não saber como. Tinha de ser cuidadoso, pensar bem em cada passo, por mínimo que fosse. Claro, poderia levar um tempo para que conseguisse encontrar a melhor maneira de jogar mais uma bomba no colo da prima, mas guardar segredo nunca foi uma opção. O Hyuuga tinha conhecimento sobre uma sorte de coisas, e uma delas era a ciência de que a verdade sempre aparece. Melhor seria magoá-la um pouco no presente a magoá-la muito no futuro. Aliás, a segunda opção poderia deixar Hinata tentada à acabar com a integridade física do primo com um belo chute nas coisas.

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