Cicero já está há pelo menos 2 horas no sofá, mudo.
Sim, faz duas horas que Cicero chegou, estacionou seu sedã médio, entrou no elevador, subiu até o décimo andar, entrou em apartamento localizado um bairro de classe média de uma grande cidade qualquer, tirou seus sapatos desconfortáveis, afrouxou a gravata, sentou no sofá, pegou o controle e ligou a TV.
Cicero zapeava entre os canais como um hamster corre em sua roda.
Foi por isso que Cicero, no mês passado, ligou na sua operadora de TV à cabo e pediu o pacote Master: pagaria o dobro, mas teria 258 canais para zapear. Uma roda gigante.
Cicero permanece calado.
Cicero quer esquecer do dia infernal que teve. Cicero quer esquecer da briga visceral com o chefe. Cicero quer esquecer da humilhação de ter sido culpado do insucesso das metas não batidas. Cicero quer esquecer do chefe "pondo o pau na mesa", como manda todos os manuais do chefe, para mostrar que "aqui o poste não mija no cachorro".
Cicero quer esquecer da fechada no transito, da multa por estacionar em local proibido que tomou ao dar uma passada na padaria para tomar uma cerveja e tentar esquecer de tudo isso.
Cicero parece um morto-vivo sentado no sofá diante da TV, mas tem muita coisa passando na cabeça do Cicero.
A esposa de Cicero está há 6 minutos escorada no umbral da porta da sala. Cicero nem percebeu.
A esposa de Cicero sente muita falta do seu esposo. Queria que ele voltasse para casa, no lugar daquele morto vivo que segue zapeando canais no sofá.
Cicero já não volta pra casa há tempos.
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Crônicas de um Futuro Presente
Short Story"Crônicas de um Futuro Presente" traz, de maneira descontraída, histórias que se passam num futuro que já chegou. Cada uma das pequenas histórias a seguir traz consigo um traço das dores e delícias da nossa vida moderna, num tom de crítica, mas sem...