Alice
Goulart aparentemente só tinha uma porcaria de blazer. O que era deprimente, feio e desconfortável de ver. Pelo menos ele tirou a peça antes de se sentar na cadeira. Revoltante era saber que ele recebia muita grana, tanto que poderia comprar ternos decentes de um alfaiate particular, em Paris. Toda semana. Pessoalmente.
– Boa tarde, Alice. – disse arrumando as mangas da camisa azul clara. – Já pediu alguma coisa? Tentei vir o mais rápido que pude.
– Pedi o de sempre. – cruzei as pernas e controlei as batidas do coração assim como a respiração furiosa. Estava sendo um dia terrível e sentimental. Já havia segurado demais, sido franca demais e mais fria que o normal com os meus colegas. E para completar, meus pés me matavam. – Obrigada por conseguir vir. Tem quanto tempo?
– Pra você gostaria de ter a tarde toda. Sabe disso. – ele desabotoou um dos botões da camisa e bebeu de seu copo de água. Sempre um galante, mesmo que não fosse meu tipo. – Problemas no escritório?
– Fora dele também. Tem algum problema você assumir meus assuntos particulares? Você é literalmente o representante judicial da empresa há anos.
– Qual a natureza dos assuntos? – ele se inclinou para frente, interessado. Percebi quando engoliu em seco.
Pensei em pegar os papéis que havia trazido, mas seria expor mais que cifras e patrimônios. Seria expor quase dez anos de conquistas à dois. Não que Goulart fosse um estranho, mas não era exatamente um amigo meu ou do Vinícius. E se ele não pudesse assumir ou dar conselhos por representar um dos maiores patrimônios incluídos no processo, eu estaria apenas dando um alerta de queda que faria muitas pessoas perderem dinheiro.
– Em resumo, Vinícius e eu não estamos mais juntos e não seremos mais sócios. Queria saber como isso poderia ser feito com menos impacto possível.
Goulart bebeu o restante da água e passou a mão no cabelo. Então voltou a arrumar a camisa. Quando abriu a boca para falar, eu o interrompi:
– Ele me deu duas opções: emancipação da empresa com uma substituição apropriada com venda da minha parte para aquele ou aqueles que ficarem em meu lugar e venda total da minha parte para ele. – Não mencionei que se eu escolhesse a última, Vinícius deixou claro que iria fundir nossa empresa com outra assim que possível. – Eu já falei que aceito a escolha de outros sócios e que fico o suficiente até tudo estar bem.
– Mas a companhia valerá menos com uma substituição. Você não terá a quantia…
– Sei disso. Mas penso no melhor para a companhia. O que quero saber é como prosseguir judicialmente.
– Parece que já tomou a decisão, Alice. Isso pode demorar mais que uma campanha. Pode durar anos. O conceito de "bem" é muito volátil e escorregadio. Devem deixar por escrito os prazos, o planejamento e como será a adequação para os colaboradores a essa nova realidade. E os acordos… Os investidores...
– Sim. Muito bem. Estamos perdendo alguns bons investimentos e prevejo um pouco de problemas no fechamento do ano. Não podemos anunciar agora. E Vinícius não parece estar com pressa.
– A Boil Veilc continua firme? Seria péssimo perder uma gigante internacional. – A menção da empresa gorvenamental me deixou intrigada, mas apenas assenti.
– Sim. Renovamos o contrato na sexta-feira. Infelizmente outras estão indicando declínio e cortando. DASA foi um choque para todos nós. Quase seis anos com a administração inteiramente nas nossas mãos e o financeiro sólido.
– O que houve?
– Não recebeu o processo? – quando ele negou, fiz uma prece silenciosa por já ter demitido aquela inútil. – DASA entrou com o pedido de rescisão, mas como estávamos a tanto tempo e servimos mais que o pedido no contrato, houve complicações. Vinícius e eu analisamos por cima e chegamos ao número de seis bilhões e alguns quebrados. Não teve conversa, eles estão certos de que vão vencer o caso e que houve fraude no processo, pois nem todo o investimento foi contabilizado, ou seja, eles disseram que não há registro do recebimento. Vou te mandar ainda hoje o que reunimos.
– Não me trouxe somente notícias ruins, não é? – Goulart deu espaço para o nosso almoço ser servido. Com um sorriso, ele começou a falar sobre os resultados do processo em que trabalhava.
Depois do almoço, fiquei um tempo sozinha numa das salas de conferência, me acalmando e lendo um relatório inútil da contabilidade. Passaram-se quinze minutos e a porta abriu lentamente, Vinícius entrou sorrateiro e com um sorriso no rosto, fechando a porta silenciosamente. A gravata estava frouxa e a camisa levemente fora da calça.
– Sabia que estaria na empresa ainda. – a voz estava baixa, mas ecoando na sala vazia. – Fazendo o que aqui sozinha?
– Descansando. Estou um pouco estressada hoje. – fui sincera. Não queria olhar para ele, nem queria sentir que estávamos sozinhos de novo.
– Você foi almoçar fora. Pensei que fossemos conversar sobre ontem. – ele começou a se arrumar automaticamente. Já deve saber que estive com Goulart e que estou tomando providências.
– Não ainda. Estou cansada e ainda pensando.
– Quer que eu faça alguma coisa? Uma massagem? – ele se aproximou, mas antes que se colocasse atrás de mim, o detive. Ele deve estar louco!
– Não faça mais isso. Não estamos mais juntos.
– Não seja idiota, Alice. – ele sorriu e, devagar, foi até minhas costas, se pondo a massagear meu pescoço e ombros. – Somos amigos ainda. Quero ter você na minha vida e sei que amo você. Preciso falar sobre ontem.
– Falar o que? Você terminou tudo, me quer longe daqui e não quer manter mais nenhum laço. Entendo. Só preciso de tempo para assimilar a ideia. Organizar tudo e… Arranjar o que fazer.
– Foi uma das decisões mais difíceis que já tomei. Sei que parece que quero você longe de tudo que construímos, mas não é isso. É que… – nesse momento, seus dedos apenas acariciavam minha pele. – Imagino quando outra pessoa tocar você. Outra pessoa trazer você aqui. Te ver construir outras coisas sem mim. Sei que nada mais seria construído entre nós. Fizemos uma empresa e só. Nada de família, nada de lembranças ou… Não fazíamos mais sentido. Pelo menos não para mim.
– Perdemos nossa sintonia. Você quer coisas que eu não estou pronta para ter. Entendo. – fechei o relatório e o afastei. Odiando sentir raiva de alguém que significava tanto.
– Entende? – seus dedos alisavam meu cabelo. – Entende que ainda amo você e não sei como prosseguir com isso?
– Entendo. – Dei uma risada amarga. – Pior que entendo. E está me matando pensar que você tem razão. A companhia é sua, é justo que eu saia da forma que entrei. E nossa vida sempre foi isso, certo? O trabalho. Desde o início foi isso.
A porta abriu com força e Beatriz apareceu. Vinícius acariciou minha nuca e riu quando notou meus arrepios.
– Problema com a logística da HEINs. Esteban está na linha e resumiu tudo dizendo que nós não pagamos o transporte. – Beatriz caminhou até onde eu estava e me mostrou seu próprio tablet. – Informação confere. HEINs não recebeu o pagamento desse mês. Devo pedir que o financeiro faça imediatamente?
As carícias pararam de repente e ele se afastou.
– Deixa comigo, Beatriz. Resolvo isso num minuto. Até depois, Alice. Boa leitura.
Peguei meu relatório e continuei o que estava fazendo. As palavras de Vinícius ecoando junto às carícias ainda quentes.
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WOLVES
RomansEsqueça os clichês entre Secretária e CEO, dessa vez o romance é entre lobos corporativos. Alice Ferreira é uma das sócias de um do mais influentes grupos administrativos e é conhecida como gênio dos acordos. Alice está acostumada a conseguir qualqu...