Parte 5

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Em meio à mata virgem, um templo esculpido em granito, cuja estranha forma lembrava uma bigorna, mesclava-se harmoniosamente à vegetação.

Uma cajazeira crescia sobre ele, envolvendo-o com suas raízes.

Pereguns formavam uma cerca viva e akokos, dendezeiros, espadas-de-são-jorge, vernonia e petiveria abundavam naquela região.

Foluke, uma mestiça nipo-afrobrasileira, de belos e bastos cabelos negros encaracolados e pele trigueira, olhava e explorava tudo com alegria infantil.

Era como se tivesse retornado ao verdadeiro lar depois de muitos anos ausente.

Mas sua atenção foi solicitada e ela se obrigou a deixar sua expedição de lado.

Um homem alto, musculoso e negro, trajando apenas uma calça saruel vermelha e colares de miçangas e sementes no pescoço, punhos e tornozelos, tendo uma tiara sobre a testa e nas mãos a espada e o machado-duplo.

Surgiu à frente da garota, alguns passos distante apenas.

Ela tinha a certeza de jamais tê-lo visto em sua vida, mas estranhamente acreditava conhecê-lo.

E o mais estranho é que não tinham nenhum medo, embora a figura fosse mais do que intimidante, principalmente com aquelas armas afiadas em mãos.

Pelo contrário, sentia-se confortável e segura ante ele.

A voz grave retumbou e os lábios carnudos dele nem se mexeram.

"Salve, pequena Exu! Salve, Filha de Ogum ! Trouxe-a aqui para entregar-te tuas armas para as batalhas que há de enfrentar."

Foluke  estreitou ainda mais os olhos puxadinhos, fazendo uma careta de incompreensão no bonito rosto de traços delicados.

"Minhas armas?! Batalhas?? Iih! Nem sei dessas coisas! Como assim?!"

A garota nem teve tempo para ruminar suas duvidas.

O Orixá apareceu frente a ela, segurando-lhe o braço direito e virando seu punho para cima.

Com uma faca incandescente, ele riscou um símbolo no antebraço dela, acima do punho.

Foluke gritou mais pelo susto, e tentou se desvencilhar, em vão.

Quando a dor no braço começou a ceder, percebeu que estava abraçada a uma enorme árvore, de raízes proeminentes.

Suas costas estavam nuas e ela trajava a mesma calça saruel e os colares de miçangas da Entidade.

Sentiu as mãos grandes e calejadas de Ogum espalmarem suas costas e um calor começou a envolvê-la, até que de confortável quentura passou à queimadura ardente.

Foluke acordou aos gritos, saltando da cama desesperada, como se esta tivesse se incendiado.

E o que sentia era como se tivesse mesmo se queimando, pois suas costas ardiam como se um ferro em brasa a tivesse marcando.

A avó irrompeu no quarto da garota. Em seu susto, falava na sua língua pátria, japonês, esquecendo-se de que a neta jamais aprendeu o idioma e mal conseguiria entendê-la.

Mesmo que Foluke soubesse perfeitamente o japonês, ela não estava em condições de compreender nada.

Estava estatelada de bruços no chão, prostrada, suada e arfante.

Os olhos estavam vidrados, e Dona Azami sentiu-se desfalecer com a cena, ajoelhando-se ao lado da neta e terminando de acordar o resto da casa com seus gritos.

Segundos depois, o avô, a tia grávida e até a priminha chegaram ao quarto de Foluke, ajudando Dona Azami a erguer a neta e deitá-la na cama.

Hikari, que é enfermeira, mediu a temperatura e a pressão da sobrinha.

Não era nada para se alarmar, mesmo assim suscitou a preocupação de todos.

"Está com trinta e oito e meio de febre, e a pressão um pouco baixa. Vamos tentar baixar essa febre e pela manhã vamos ao hospital."

"Não..." – Foluke protestou fracamente. "Hospital, não..."

"Hospital, sim! Nem que seja pra confirmar de que não é necessário!"

"E não é! Devem ser meus hormônios..."

Mitsuo, um senhor de expressão muito austera, curvou-se sobre a neta, olhando-a nos olhos. Foluke estremeceu.

Era a segunda vez naquela noite que alguém olhava para ela daquele jeito.

"O que sente?" – O avô falou, com esforço que era para falar em português.

Foluke desviou o rosto, ponderando a resposta, quando a balbuciou.

"Ardendo... queimando..."

"É a febre." – A tia prognosticou com firmeza.

"Já são quase cinco. Vou preparar o café e lá pras seis levamos Foruke pra emergência no UPA ." – Decidiu a avó.

Foluke virou-se na cama, dando as costas que ardia a todos e encolhendo-se na posição fetal.

Instintivamente passou os dedos sobre o pulso direito.

Com a dor latejante em suas costas, ela ainda não havia percebido que uma dor menor, longitudinal, riscava no seu braço.

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