Parte 13

21 11 2
                                    

Quando Foluke reabriu os olhos, a escuridão fora engolfada por uma luz dourada e cálida, e uma mulher japonesa, de rosto sorridente, estava pertinho dela, fazendo-lhe carinho nos cabelos encaracolados.

— Lucky-chan! Bom dia, sua dorminhoca!

Imediatamente, Foluke ficou desperta, apoiando-se com o cotovelo na cama.
— Mamãe?!

A japonesa sorriu e desvaneceu, deixando a garota piscando em profusão.  Instantes depois o pai entrou no quarto.

— Até que enfim acordou, Foluke! Como está se sentindo?

A garota sentou na cama, pensativa. Só depois se voltou para o pai.

— Eu... vi a minha mãe...

Jorge sorriu melancólico.

— Fico feliz que a tenha visto... senti a presença dela desde que você apagou ontem à noite. Se estiver mesmo bem, vá tomar um banho para despertar de vez e venha pra sala. Temos visitas.

— Quanto... quanto tempo dormi??

— Mais ou menos quinze horas... mas você sempre foi uma dorminhoca, mesmo!



Meia hora depois, Foluke surge na sala do casarão do pai, surpreendendo-se com a quantidade de pessoas ali presentes.

Além de Jorge, estavam Kaluanã , o rapaz que os ajudou na noite passada; Jossi, uma moça de vinte e tantos anos, muito branca e de cabelos loiríssimos; Ceila, uma senhora negra, de turbante amarrado nos cabelos e Moacir, um velho de barba comprida e branca, um dos monges do Mosteiro de São Bento.

A garota franziu a testa, voltando-se interrogativa para o pai.

Jorge sorriu complacente, respondendo à pergunta não formulada.

— Todos eles receberam a missão dos Orixás de lutar contra os Quiumbas incorporados. Assim como aconteceu com você, eles receberam instruções dos Orixás a que são filhos...

— Nem todos, Seu Jorge. – Replicou a loirinha, na sua fala carregada de L. — A mim foi a própria Hecate, Mãe das mães, que me convocou pra batalha. E o Seu Moacir...

— ... o próprio São Bento, numa dessas noites que não conseguia dormir por causa do reumatismo. – Completou o homem barbudo.

— E haverá outros, filha. – Falou a senhora em sua voz mansa e anasalada. — Logo surgirá outros guerreiros encarnados e se juntarão à nossa missão, assim me disse minha mãe Iansã.

— E você, por ser filha de Ogum e uma Exu genuína, é a principal matadora dos Quiumbas! A nós compete te dar auxilio e cobertura. – Terminou a sentença Kaluanã, com um sorriso tão luminoso quanto os olhos esverdeados.

— Nossa! Isso tudo foi tão doido e foi mesmo verdadeiro! – Foluke exclamou fracamente, sentando à mesa, introspectiva.

— É engraçado, né? É como estar num sonho, mas sendo tudo real! Veja:
Kaluanã arregaçou a manga da blusa, mostrando o Ponto Riscado no pulso direito, na forma de um arco com uma flecha atravessada, a principal arma de Oxossi.

— Todos fomos marcados no nosso perispírito , seja com figuras de armas ou com símbolos de proteção. Nós que fomos marcados com armas, lutaremos diretamente com os monstros, os que foram marcados com símbolos, nos darão cobertura.

— Você... deu tiros naquela coisa, mas não a derrubou! Como pode?!

— Eles precisam ser retalhados ou decapitados. Eu dei mole! Dá próxima miro na cabeça! Nem um monstro pode sobreviver a um tiro de AR15 na cabeça.

— Bem, já chega com essa conversa macabra. – Jorge se intrometeu. — A nossa missão principal não é sair partindo Quiumbas ao meio, mas trabalhar para o despertar da consciência das pessoas. Vivemos o final de uma Era e há muitos Espíritos de diversos níveis evolutivos encarnados na Terra, todos buscando a chance de permanecerem no mundo de regeneração que se tornará o nosso planeta nesta Era de Aquário, saindo do nível de provas e expiações. O maior problema é o esquecimento dos compromissos assumidos na vida pré-mortal. Quando se reencarna, a vida material se torna um pouco diferente do que se esperava e muitos param de ouvir a voz da consciência, se entregando aos vícios e ao caminho errado, muitas vezes sucumbindo às provas de fogo a que são submetidos.

— E isso origina uma série de formas-pensamentos tão nocivas que acabam poluindo o mundo com um miasma tão venenoso que afeta todas as formas de vida... – Completou Jossi.

— Então... são os pensamentos das pessoas que estão trazendo os Quiumbas pro nosso mundo?! Mas pensamento é pensamento! Ele não existe, apenas surge e some! – Replicou Foluke, sentindo-se confusa com as explicações.

— Não, filha... – Falou Ceila, a mulher de turbante. — Pensamento é a pré-ação. Pensamento é energia. E energia molda, transforma a matéria. O pensamento é tão poderoso que pode tanto matar quanto salvar. Porém, nem sempre os efeitos são visíveis ao mundo material, mas no mundo invisível eles atuam de forma efetiva.

— E segundo meu Pai São Bento – Intrometeu-se o monge. — os maus pensamentos seguidos das más ações das pessoas, criaram um ambiente propício à manifestação desses demônios, trazendo-os para o nosso mundo.

— Quiumbas não são demônios, padre.  Reclamou Jossi, contrariada. — Nem todos os demônios são maus, ao passo que Quiumbas são essencialmente maus!

Jorge interferiu, antes que a conversa se tornasse uma rixa entre crenças.

— São essencialmente maus, mas sujeitos à evolução e ao bem como qualquer outra criatura de Deus. Por favor, irmãos, não vamos misturar as coisas por aqui. Devemos evitar qualquer tipo de conflito para que não haja uma cisão entre nós. Precisamos nos manter unidos por um bem maior!

— Está certo! – Foluke se levantou, batendo as mãos na mesa, visivelmente animada. — Devemos buscar os outros guerreiros e protetores para nos juntarmos e fazer com que tudo melhore o mais rápido possível! Cada um cuidando do seu canto, já que o mau tá espalhado no mundo todo. E devemos formar uma rede, nos ligando uns aos outros! Vamos vencer os Quiumbas com a ajuda do povo invisível e vamos fazer desse mundo um lugar melhor, com pessoas melhores!

Foluke foi até a janela comprida de madeira, abrindo-a e deixando entrar a bucólica claridade de fins de Outono e a brisa fresca do fim de tarde.

Ao longe, uma montanha de nuvem dourada se refletia na Baia da Guanabara.

No arvoredo que ficava no terreno em declive abaixo do casarão centenário de Jorge, pássaros gorjeavam felizes, se preparando para a noite que logo se ergueria, tendo os seus cantos misturados aos assovios de saguis e o matraquear das maritacas.

FIM

•°•°•°•°•°•°•
N/A: Se estiver gostando da história, clica na estrelinha e deixe o seu voto. Isso ajuda na divulgação, fazendo com que se destaque nesse oceano de livros do Wattpad. Obrigada✌🏻😁

OrishásOnde histórias criam vida. Descubra agora