Parte 12

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Foluke atingiu uma escadaria, que era um dos acessos ao Morro da Conceição.

Por ser pouco frequentado e não receber nenhum cuidado do poder público, era um local abandonado, com partes desmoronando e muito mato alto no que antes foram canteiros e jardim público.

Se Foluke estivesse em seu estado normal, teria sucumbido à visão que se seguiu.

Um homem grande e de aparência selvagem, estava agachado no meio do mato, segurando o que havia sobrado de um mendigo, com os dentes enormes e afiados cravados entre o pescoço e ombro da carcaça.

Mais acima na escadaria, um outro monstro incorporado devorava uma mulher enquanto ainda copulava com o cadáver dela.

Eles apenas perceberam Foluke quando ela subiu aos saltos até chegar ao primeiro monstro.

A lâmina desceu como uma luz, mas apenas conseguiu partir a carcaça do mendigo ao meio e um pequeno talhe na cara do Quiumba, que saltou para trás no último instante.

A carcaça, partida ao meio, caiu aos pés de Foluke e, por causa da saliva ácida do monstro, começou a se dissolver num miasma pestilento.

A garota forçou as mãos entorno do punho da espada, saltando novamente na direção do Quiumba.

Não apenas os seus sentidos estavam alterados, mas também – e principalmente – sua agilidade e força física.

Seu Espírito de Guerreiro Exu estava desperto, conferindo energia e poder multiplicados.

O golpe de espada atingiu o braço do monstro, que novamente conseguiu se esquivar em tempo.

Foluke colocou-se numa posição perigosa sem o perceber, ficando encurralada entre os monstros e a parede do prédio ao lado.

O segundo Quiumba largou sua presa, partindo para a demanda contra a garota.

Se havia algo que eles mais apreciavam que carne humana, era a rinha.

Os Quiumbas cercaram Foluke, dando risadas baixas entre os dentes afiados, atiçando-a com ameaças de golpes de suas mãos que tomaram a forma de garras afiadas.

A garota soltou um muxoxo, percebendo a armadilha em que se meteu.

Para se desencurralar, escolheu partir para cima do monstro da esquerda, que se esquivou, mas desta vez não em tempo, ficando com um talho profundo, do ombro ao quadril, de onde começou a jorrar um sangue negro e ácido que queimava a roupa que usava.

A criatura urrou de dor.

O segundo monstro fechou os braços musculosos entorno de Foluke, às costas dela, e já escancarava a boca para cravar-lhe os dentes no pescoço, quando o Ponto Riscado, o símbolo dos sete instrumentos de Ogum pulsou, liberando energia radiante que jogou o Quiumba metros de distância, longe dela.

Jorge chegou até às escadarias, mas a sua imaginação não o preparou para o que veria.

Apesar da iluminação precária, conseguiu vislumbrar a sua filha entre os dois monstros incorporados.

Desesperado, o homem corre escada acima, gritando pela garota.

O Quiumba ferido virou e saltou encima de Jorge e ambos se embolaram escada abaixo.

Jorge era um homem forte, mas não páreo para o monstro, e foi com grande dificuldade que mantinha os dentes letais longe dele.

A criatura estava sobre ele, quase conseguindo subjugá-lo.

Quando Foluke viu o monstro partir para cima do pai, perdeu toda a prudência, esquecendo-se do outro Quiumba.

Enfurecida, correu até eles, já preparando o golpe que desferiu assim que chegou ao monstro, decepando o braço que ele usou para se defender.

Por pouco Jorge não foi causticado pelo sangue ácido, conseguindo livrar-se do grilhão em que estava.

A criatura, enfurecida pela dor, salta sobre Foluke que, finalmente, consegue golpear mortalmente, partindo o Quiumba de baixo a cima.

Ela saltou antes que fosse atingida pelo sangue negro e correu até o pai, que se colocava em pé com dificuldade.

Às suas costas, o miasma pestilencial se erguia enquanto o monstro se dissolvia em seu próprio ácido.

A nuvem esverdeada era tão densa que ocultou o segundo Quiumba, que descia a escadaria qual fera enlouquecida.

Foluke estava preocupada demais para perceber e sua inexperiência fazia dela uma imprudente.

— Pai! Você tá bem?!

Tiros de grosso calibre são disparados, acertando e varando pelas costas do Quiumba. Assustados, pai e filha não sabem se voltam sua atenção ao monstro ou à voz que lhes grita do alto da escadaria.

—Vamos! Use a espada!

Quase de forma automática, Foluke girou e a espada acertou o Quiumba, atravessando-lhe as costelas e dividindo-o ao meio.

A criatura urrou e seu horrível lamento se fundiu ao miasma.

Como se luzes tivessem sido acesas, mostrando o que antes a escuridão ocultava, toda a atividade do Plano Espiritual ficou visível e pode-se vislumbrar a captura dos dois Quiumbas pelos Exus, que usavam cordas plasmadas para imobilizá-los.

Os monstros umbralinos continuavam a lutar ferozmente, degladiando-se com as Entidades.

O estridente som de sirene aumentava de intensidade rapidamente e, em meio a toda atividade espiritual da captura dos Quiumbas, um rapaz descia nas carreiras a escadaria degradada, carregando um fuzil em uma das mãos.

— Ei! Vocês ficaram surdos?! Vamos sair logo daqui! A polícia tá chegando, não tão ouvindo?!

Não havia tempo para decidir se o rapaz era ou não confiável.

Jorge segurou a filha pelos ombros, obrigando-a subir as escadas, seguindo o garoto.

Assim que atingiram o topo da escadaria, duas viaturas da polícia militar pararam frente ao terreno baldio.

Por sorte, a má iluminação não permitira que os três fossem avistados.

— ‘Bora! Não temos como explicar a bagunça toda a eles!

O rapaz sussurrou, conduzindo Foluke e Jorge por umas ruelas estreitas, até chegarem a um portão de ferro no meio de um muro muito alto de chapisco, sem nenhuma outra abertura além daquela.

O rapaz entrou depois de todos, fechando o portão com cuidado para não fazer ruído, que seria facilmente percebido devido ao silêncio do lugar.

Os três andaram em passos apressados por um labirinto de árvores frutíferas, até descerem por novas escadarias e entrarem num casarão centenário bem conservado.

Jorge notou, apesar da fraca luminosidade e do estresse em que estava, que na entrada da casa, na pequena varanda, havia oferendas em dois jarros brancos e na porta estava pregado um medalhão de bronze com o símbolo de Oxossi  impresso.

O rapaz, um bonito caboclo de olhos claros, começou a tagarelar enquanto guardava o fuzil num armário embutido na parede.

Foluke sabia que ele falava com ela, por causa dos movimentos rápidos dos lábios dele, mas ela simplesmente não conseguia compreender uma palavra sequer.

Sentiu vagamente o pai pousar as mãos em seus ombros e falar-lhe algo ao pé do ouvido, mas igualmente não conseguia compreender nada.

De repente tudo começou a ficar turvo e ondulante, inclusive o chão que parecia ter virado gelatina, e a última coisa que viu foi o rapaz vir até ela na diagonal, antes da escuridão total se fechar sobre ela, engolindo-a num vácuo sem cor, forma ou som.

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