— Assim, pode ser que isso seja um pouco demais. — Guilherme comentou, olhando para um Hector muito bêbado, mexendo num iPhone conectado ao carregador.
A sala onde estávamos agora era iluminada somente pelas luzes secundárias amareladas. A tempestade rugia do lado de fora como se o mundo estivesse realmente no fim, mas dentro daquela pequena festa particular, com um pouco de álcool no cérebro, eu me sentia intocável.
— Eu não sou idiota, né Guilherme. — Hector balbuciou, concentrado no celular. Na verdade, quando ele deu aquela ideia, ninguém tinha levado a sério que 1) realmente ainda teria um celular na casa 2) conseguiríamos carregá-lo e 3) ele conseguiria adivinhar o código de bloqueio, mesmo que tivesse sido algo simples como "3210". — Mesmo que eu colocasse mais alto do que a gente está falando, olha a tempestade lá fora! — Como se pontuando sua frase, o brilho forte de um relâmpago clareou a sala, seguido pelo som estrondoso do trovão, que me fez encolher.
Tomei mais um gole do suco de laranja com vodka, fazendo cara feia. Como se não bastasse estar morno, já que não tínhamos gelo, Guilherme encheu quase metade do copo de vodka. Mas como tudo já começava a ficar levemente desfocado e minha vontade era de sorrir por nada, não problema.
— Tá, a playlist desse moleque era um lixo — Hector falou, seco, o que desencadeou uma crise de riso em mim. Como o celular estava em um dos quartos dos filhos, provavelmente deveria ter pertencido a um dos adolescentes que nos recebeu, morto, na entrada do condomínio. Tudo aquilo tinha um ar incrivelmente macabro, mas eu estava bêbada demais para me sentir culpada. — Mas tem uma ou outra coisa que preste.
Quando uma música da Anitta começou a tocar, mesmo nunca tendo sido fã dela, tive vontade de gritar. Melissa e Alana realmente deram um gritinho empolgado. O som estava baixo, não mais do que uma música ambiente quase engolida pelos sons da tempestade, mas acredito que Hector não se atreveria a aumentar mais.
— Meu Deus. — Carlos chamou a atenção de todos, estirado em uma poltrona, com um copo na mão. — Vocês acham que a Anitta virou zumbi?!
Mesmo a sua pergunta sendo inteiramente séria, o acesso de riso que ela desencadeou foi inevitável. Todos estávamos bêbados (alguns mais do que outros, como Hector, que fez questão de comemorar seu aniversário de 16 anos tomando o primeiro porre) e independente de ser uma ideia inconsequente ou não, eu não imaginava que ainda conseguiria me divertir daquela forma depois do apocalipse. Até mesmo Melissa, que no começo estava receosa, já estava com as bochechas rosadas e fazendo comentários descontraídos sobre tudo.
— Meu Deus, eu não tinha pensado nisso! — Victória gargalhou, derrubando gotas de suco no sofá caro.
— Claro que não, porra, essa gente deve ter uns quinhentos seguranças! — Hector disse, cambaleando de volta para o sofá. A melhor coisa daquele dia estava sendo Hector bêbado, que disparava um palavrão por segundo.
— Você não viu o Twitter nos primeiros dias? — Melissa trançava meu novo cabelo. — Tinha um monte de notícias de celebridades morrendo, rolou até um vídeo do William Bonner sendo atacado na sede da Globo!
— Ah não, ele não! — Guilherme lamentou.
— Isso é sério? — Perguntei, inclinando-me para deitar no colo da minha amiga. Mei, que não estava particularmente animada com aquela festa, repousava a cabeça sobre as patas embaixo de mim, e estiquei a mão para fazer carinho nela — Eu não tinha Twitter.
— Juro por Deus, eu vi naquele dia lá em casa! — A loira deu um gole na bebida rosada, alguma coisa misturada com suco de morango, de onde repousava um guarda-chuvinha que encontramos no armário de bebidas. — Mas né, como estava todo mundo apavorado, não sei se ia ser legal comentar sobre. Até onde eu tinha visto, de gente famosa, o William Bonner, a Ariana Grande e o Shawn Mendes tinham morrido! Os assessores até fizeram postagens na época.

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Em Decomposição
Horror🏆 VENCEDOR DO WATTYS 2020! 🏆 LIVRO 1. Rebeca tinha 17 anos quando viu pela janela de seu colégio a chegada do apocalipse. Viver se torna um inferno mortal e a sociedade caminha para o colapso num vale tudo pela sobrevivência. Ela precisará atrave...