Capítulo 55.

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Gemi com o esforço, sentindo meus braços queimarem pela força empregada. Quando finalmente consegui atirar aquele monte de terra para longe, apoiei-me, arfando, no cabo da pá.

Eu já imaginava que aquele trabalho me exigiria tempo, mas quando comecei a sentir o sol queimando a minha pele, percebi que já estava ali há quase uma hora. A dor no corpo não era nada comparada à constante ânsia em realmente pensar que eu estava fazendo aquilo, esforçando-me tanto por alguém que sequer mereceria uma pedra sobre o seu túmulo.

A minha vontade de não estar ali só não era maior do que os constantes enjoos, graças aos exageros da noite passada. Minha cabeça latejava, meus braços doíam e eu sentia todo o meu corpo coberto de suor, mas persisti. Apesar de querer queimar o corpo com o resto dos zumbis, imaginei que haveria um debate a cerca de um enterro decente e apenas queria evitar tocar naquele assunto de novo.

A maioria das pessoas foi dormir quando amanheceu, mas com aquele assunto na cabeça, fui incapaz de me entregar ao sono até tudo ser resolvido. Cavei em silêncio por quase uma hora, alternando entre descansar e voltar ao trabalho. Dentro da casa, Hector ainda passava mal e Alana tomava conta dele. Nem sequer teria coragem de pedir para Melissa me ajudar em uma tarefa tão ofensiva, e também imaginei que Victória não iria se oferecer. Preferia incomodar o menos possível a família Rosa e Alex com aquele assunto.

Eu poderia ter chamado Guilherme, mas somente pensar em conversar com ele fazia uma sensação ruim revirar meu estômago. Queria evitar aquilo para sempre, incapaz de tentar entender meus sentimentos.

O que parecia ser recíproco, porque eventualmente Guilherme descobriu o que eu estava fazendo. Ele desapareceu e voltou minutos depois com uma pá na mão, sem falar uma palavra. E assim ficou quando veio até o pequeno buraco que eu já formara e começou a cavar. Ou tentar cavar, já que sua intenção com certeza era muito maior do que a real ajuda que ele oferecia, não conseguindo colocar força real sobre seu braço direito para executar a tarefa.

Logo os gemidos e protestos de dor de Guilherme dominaram o ar, mas quando desviei os olhos do meu trabalho para ver se estava tudo bem, percebi como ele voltou a fazer silêncio e fingir estar absorto na escavação desajeitada. Segui o exemplo, sentindo meu coração doer.

Permanecemos naquela atividade por quase duas horas, num silêncio mortal, interrompido somente pelo meu arfar exausto, os protestos de dor de Guilherme e o constante som da pá contra a terra.

Eu queria falar com ele, mas não sabia nem como começar. Mesmo se eu abrisse a minha boca, não poderia ter certeza de que palavras eu gostaria de colocar para fora. Ter passado a noite ao lado de Guilherme para acordar em um pesadelo já havia sido traumático o suficiente, mas ouvir as suas palavras, as atitudes coniventes com o que aconteceu... Além disso, estava decepcionada por ele nem ter tentado falar comigo ou me ajudar em meio ao caos. No começo de tudo, Guilherme havia sido tão líder quanto eu, mas hoje em dia ele não parecia mais capaz de tomar atitudes sem ser levado pelas emoções. E nem eu mesmo era, mas não deixei que isso me impedisse de fazer o que era necessário.

Me sentir sozinha não era o pior, mas sim ter acreditado que sempre o teria ao meu lado. Agora eu sequer conseguia ver, por trás do seu semblante sério, se havia algum sentimento por mim, além do ressentimento.

Nem queria pensar na parte humilhante de ter dormido com ele na noite passada, e agora nos tratarmos como estranhos. Só quando terminamos o trabalho, vou pela primeira vez naquele dia a voz de Guilherme:

— Obrigado, Rebeca.

Virei para trás, mas seus olhos não encontraram os meus. Olhava, desanimado, para a cova irregular aos seus pés. Assenti para ele, sem me importar se ele veria ou não, e voltei para dentro da casa, querendo rever a minha cachorra e tomar um banho.

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