Capítulo 17.

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Quando finalmente chegamos, eu estava completamente suada e minhas pernas doíam. Senti meu rosto ardendo graças ao sol incessante que permaneceu alto no céu pela maior parte do dia.

Depois da tragédia com Renan, o dia se atreveu a seguir com uma tranquilidade que parecia debochar de nós. Mesmo com a longa, quente e exaustiva caminhada que dominou a maior parte dele, não tivemos maiores problemas. Ainda assim, não era o suficiente para nos enganar: durante todo o caminho, estivemos cercados por pelo menos meia dúzia daquelas coisas. Algumas próximas o suficiente para exigir que fizéssemos esforço enquanto outras eram apenas vultos ao longe que vagavam, parecendo nos mimicar de maneira sádica. Embora persistentes, não nos causaram maiores problemas.

O que também não nos fez ser descuidados. Mantivemo-nos a maior parte do caminho em silêncio, com passadas lentas e cuidadosas. O dia avançou vagarosamente, tornando a caminhada cada vez mais exaustiva, tanto física, quanto mentalmente. Às vezes alguém quebrava o silêncio, tentava puxar conversa, mas logo voltava a se calar. Outras horas, algum de nós afastava-se sem necessidade para golpear um andarilho, mesmo que este estivesse há vários passos de distância. Era necessário, pelo menos algumas vezes, quebrar a formação, o silêncio, a paz.

Era assustador ficar sozinho com os próprios pensamentos.

Checamos os celulares algumas vezes, mas estas conferidas estavam se tornando cada vez mais curtas e espaçadas. Abandonávamos lentamente aquele vício, cansados de nos frustrar com mensagens de "fora de área" e ligações que nunca seriam completadas.

Estávamos todos exaustos, doloridos e certamente um pouco menos animados do que no começo do dia, quando finalmente chegamos a algum lugar. Os raios de sol começavam a se tornar incômodos aos olhos conforme ele se punha, tingindo o céu de tons de laranja e cor-de-rosa.

— Olhem, lá na frente — disse Hector, erguendo o braço e apontando. — Acho que lá é onde vamos achar os barcos. — O que ele se referia era um aglomerado de casinhas de madeira próximos à praia, com um extenso trapiche seguindo para o fundo do mar.

Hector estava exausto, tão queimado no corpo e rosto quanto eu. Na verdade, estávamos todos com aparências péssimas e cobertos de suor. Admirava-me somente que até então Victória houvesse aguentado todo o percurso sem sofrer de uma queda de pressão. Ou teve, e se esforçou para disfarçar durante o caminho.

Conforme nos aproximávamos, o número de mortos parecia aumentar, obrigando que, por vezes, mais do que somente um tivesse que se afastar para garantir a segurança dos demais. No fim, a maior parte do trabalho ficava comigo, Carlos e Guilherme, aos poucos nos revezando. Ainda assim, Ana, Hector e até mesmo Melissa (uma vez, porém ainda é válido ressaltar) nos deram apoio ao ajudar a matar aqueles monstros. Era cedo ainda, mas começávamos a construir uma boa equipe.

Felizmente, quando a nossa visão começou a ser prejudicada pela baixa iluminação, já estávamos praticamente ao lado das construções de madeira. O calor da tarde de verão começava a ir embora, deixando-nos somente com a brisa fraca que movia a grama amarelada e gelava nossas espinhas. Um tom cinza de começo de noite assumia o céu, fazendo com que as casas de madeira parecessem mais envelhecidas e escuras, e a vegetação ao nosso redor, mais morta. A terrível sensação de sentir-se sozinha em um lugar tão desolado logo foi sobreposta pela certeza de ter companhia, conforme manchas de sangue apareciam pelo chão e pelas paredes das casas. Um cadáver com o corpo quase completamente comido, deixando os ossos crus expostos em diversas partes, estava atirado na escadaria de uma varanda, acumulando moscas. O calafrio que eu senti, dessa vez, foi de medo puro, conforme começamos a andar pela ruela estreita no meio das residências. O cenário me lembrava um jogo de terror.

— Deveríamos fazer barulho? Tentar chamar alguém? — sugeriu Alana, em um tom tão baixo que tive dificuldade de ouvir.

Carlos a encarou com seriedade.

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