Os dias que seguiram se passaram tão rápido que, sem que eu sequer percebesse, já estávamos no que Victória acreditava ser o dia 10 de abril (agora que a bateria de seu celular havia acabado completamente, estava contando os dias com um calendário).
Os últimos dias haviam sido agitados graças à preparação para irmos embora. Foi preciso que saíssemos para buscar suprimentos com mais frequência; tanto para que pudéssemos comer nesses últimos dias quanto para encontrar o que fosse adequado levar na viagem.
Uma das pessoas designadas para essa tarefa foi, claro, eu. Depois de muito tempo me vi novamente na linha de frente, com a foice afiada da morte no pescoço. Embora tenham sido viagens rápidas pelas casas do quarteirão, a incerteza e o medo sempre caminhavam ao meu lado fazendo-se presentes pela constante presença gélida da insegurança em minhas costas.
Precisar empunhar novamente meu taco contra zumbis foi assustador, mas, de certa forma, era bom saber que meus músculos ainda funcionavam. Senti dor, mas não se comparava ao primeiro dia em que desmaiei, o que significava melhora. Havia mais mortos por perto e majoritariamente eu e Hector quem tratamos deles, enquanto Guilherme e Carlos infiltravam-se com agilidade nas casas que não estavam trancadas, levando tudo que pudessem encontrar.
Quando chegou a minha vez e precisei saquear uma casa, o que encontrei estava longe de ser esperado. Demorei até alguns segundos para compreender o que era aquela forma pendurada por uma corda, exalando um cheiro tão pútrido quanto os carniçais que nos rondavam. Quando percebi que Guilherme virou o rosto para evitar manter os olhos naquilo, veio-me como um atropelo a realização de que se tratava de um morto, mas um diferente do que víamos até então. Não havia sido comido por zumbis, morto pela doença, ou sequer por um acidente. Seu ceifador fora ele mesmo, talvez acreditando que até mesmo aquilo fosse melhor do que o sofrimento de vagar por um mundo dominado pelo medo.
Talvez estivesse certo.
Guilherme colocou a mão com simpatia em meu ombro quando terminei de vomitar, coisa que eu não fazia há algum tempo. Logo após, envolveu meu corpo bambo em um abraço forte, como se tentasse manter-me protegida daquela sensação estranha. Acho que estava se tornando cada vez mais fácil para nós dois encontrarmos segurança um no outro.
O cheiro de podridão estava em vários lugares, principalmente nas cozinhas, onde grande parte das coisas estavam infestadas de larvas e insetos. Nem abríamos mais as geladeiras, que nunca mais funcionariam após a luz elétrica ser cortada. Frutas que reuniam moscas em seu apodrecer eram as nossas companhias na longa tarefa de procurar em armários, balcões e depósitos qualquer coisa que pudesse nos servir para algo. Alimentos adquiridos em um mercado comum, talvez por famílias comuns, que agora saqueávamos para garantir a nossa sobrevivência.
Logo ficou claro que começar a divagar era prejudicial para mim.
Além de comida e mantimentos, buscamos tudo o que poderia nos servir como armas. Facões e machadinhas eram rapidamente perdidos quando não conseguíamos arrancá-los do crânio de um zumbi, por isso quase sempre recorríamos a golpes de longa distância e precisávamos substituir os pedaços de madeira quebrados ou canos de ferro entortados.
Graças a isso, agora também tínhamos uma arma de fogo.
A falsa segurança que me dava vendo Hector embainhado-a no coldre sempre que saíamos para saquear casas me fazia questionar como eu não lembrei daquilo antes. Como não pensei um pouco mais quando mencionei o policial amigo da minha avó, quem me deu e ajudou a adestrar a Mei.
Eu frequentava muito a casa dele quando era mais nova porque sua filha, Olivia, era minha amiga. Por isso eu sabia onde ele morava, quais janelas nunca ficavam trancadas, ou que guardava uma pistola em um cofre no quarto (essa parte minha amiga me contou um dia, entre sussurros, naquela mistura de medo e curiosidade infantil).

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Em Decomposição
Horreur🏆 VENCEDOR DO WATTYS 2020! 🏆 LIVRO 1. Rebeca tinha 17 anos quando viu pela janela de seu colégio a chegada do apocalipse. Viver se torna um inferno mortal e a sociedade caminha para o colapso num vale tudo pela sobrevivência. Ela precisará atrave...