Capítulo 23.

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— Oi, Rebeca! — uma voz animada chegou aos meus ouvidos, não sendo a responsável por me acordar somente por ter chegado alguns segundos depois do peso no outro lado da cama de casal. Quando abri os olhos, desinteressada, deparei-me com as pedras de jade que eram os olhos de Guilherme. Ele tinha um sorriso quase bobo no rosto, parecendo uma criança.

Guilherme estava completamente sujo de terra e poeira, os cabelos bagunçados e sangue seco em várias partes do seu corpo. O odor de ferro me fez franzir o nariz, mas no fundo foi bem-vindo: eu mesma deveria estar em um estado deplorável, sem tomar banho há alguns dias.

Minhas pálpebras pesavam, mas tentei manter-me focada em seu rosto, um pouco confusa diante de toda a animação. Só então lembrei que ele e Hector saíram para buscar comida naquele dia. Eu nem mesmo sabia que horas eram.

— Oi, Guilherme. — falei, não conseguindo sequer fingir em minha voz tanta animação quanto a dele. Eu conseguia sentir-me um pouco melhor, a constante sensação de agonia e ansiedade dissipando-se lentamente com o passar dos dias, até restar somente a tristeza.

— Como você tá? — ele me perguntou, deitado há poucos centímetros de mim na cama, seus olhos fixos nos meus e o rosto sorridente. Como diabos ele havia chegado até ali sem que Mei começasse a latir?

— Viva. Infelizmente — respondi. Imediatamente senti uma sensação ruim em meu corpo. Por mais que meus sentimentos fossem verdadeiros e a dor que eu sentia ainda fosse tamanha, parecia errado jogar esse fardo, com meus comentários depressivos, em cima dos meus colegas. Todos nós enfrentamos dificuldades.

O seu sorriso enfraqueceu um pouco, as sobrancelhas se juntando. Parecia que eu havia ferido os sentimentos dele.

— Que isso... Estar viva é bom. — ele tentou sorrir e eu sinceramente não queria acompanhá-lo, mas o fiz para não deixá-lo ainda mais triste. — Eu percebi isso hoje, sabe, quando eu estava lá fora. Não aconteceu nada de mais, na verdade foi quase um sucesso: havia alguns zumbis, mas demos conta. Conseguimos pegar bastante comida das casas próximas, também roupas e cobertores. A gente até passou um colchão por cima do muro, da casa do seu vizinho, a cena foi bem boba. — Ele sorriu de novo, mostrando os dentes. — Mas mesmo tendo acontecido tudo bem, só colocar o pé pra fora desse muro já me deixou nervoso, fez a minha ansiedade voltar. Eu não parava de tremer.

Eu mantinha meus olhos nele, genuinamente interessada no que ele dizia, porém não me pronunciei.

— E eu não sei... — ele continuou. — Eu me senti mal por não ter vindo falar com você até agora. Quer dizer, não ter vindo direito... eu vim aqui algumas vezes e você estava dormindo, deixei remédios e água, mas não quis te acordar. Eu imagino o que você está passando e eu fiquei com tanto medo de falar algo errado e te deixar ainda pior que... simplesmente esperei você melhorar. Mas hoje eu percebi que sentia saudades de você me apoiando quando eu ficava nervoso. Então percebi que eu deveria fazer o mesmo. — Ele sorriu para mim. — Sabe, pode parecer completamente maluco o que eu vou dizer, mas está quase, quase divertido aqui na sua casa. Claro que estamos sempre com medo e sempre pensando em como podemos nos proteger, mas também estamos conversando bastante, imaginando qual é o melhor passo a tomar... e eu queria que você também pudesse estar lá com a gente. Esse grupo fica um pouco mais chato sem você.

Quando terminou, percebi por quanto tempo estive quieta, sentindo-me um pouco envergonhada. Suas palavras levaram uma alegria quente ao meu coração, embora ainda fosse difícil sentir-me tão plena quanto outrora poderia ter estado. Ainda assim, apreciei com todas as forças tudo que ele me disse.

— Obrigada, Gui. — Tentei sorrir de volta. Foi fraco, certamente, mas foi um sorriso sincero. — Eu só achei que ficaria um pouco mais confortável sozinha, mas sei que não posso viver para sempre nesse quarto...

Em DecomposiçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora