CINCO - Acorde-me

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            Pandora sentou a cama sem se preocupar se iria ou não sujar os lençóis de tinta, estava hipnotizada pelo desenho que tinha acabado de pintar, depois de acordar subitamente no meio da noite.

A pintura tinha tons de vermelho, verde e marrom e não ocupava todo espaço do quadro. Não havia nem mesmo levado muito tempo, era um desenho bruto, sem muito refinamento, na verdade, bem diferente do estilo detalhista de Pandora. Ela pensou em ligar para Ambrose, sabendo que ele atenderia não importasse que horas fossem, mas lembrou que ele e Kia estavam num encontro duplo e achou melhor não atrapalhar.

Não era uma visão profética como a pintura que mostrava o início da batalha no campo de lacrosse. Era outra coisa. Diferente. Mas de certo modo inofensiva.

O desenho era claro. Um coração humano com nove raízes saindo de trás do órgão. Era nítido também que Kia era o coração central, e que as raízes eram ramificações de cada um dos outros corações contidos na profecia. Pandora também conseguia perceber que havia cinco raízes mais proeminentes que as outras, o número exato dos corações que Kia já tinha encontrando, contando com ela. Havia também outras três que cresceram enquanto ela pintava, como se estivessem se aproximando, e uma menor, mais longe. Ainda tentando encontrar o caminho até eles.

Ela se perguntou que se quando todos estivessem presentes o que exatamente isso significaria, e como o poder dos nove reunidos poderia realmente auxiliar Kia na batalha.

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Ambrose tentou pela última vez fechar os olhos e dormir, mas ele não queria perder um momento sequer daquele dia. De como a pele do Kia tinha tocado na dele, como seus corpos haviam se enroscado pelo teto do quarto. Ou do sabor das três garrafas de Romanée Conti nos lábios.

A pele de Kia era mais macia do que ele havia se pego imaginando ao longo dos anos. Mesmo que ele e Kia tivessem a mesma força física, o corpo do adolescente era muito menor e aparentemente mais frágil e Ambrose gostava da sensação de poder abraça-lo enquanto estavam deitando, como se aquele toque fosse proteger o rapaz de todos os perigos do mundo, e Ambrose sabia que eram muitos.

Enquanto Kia dormia ele aproveitou para gravar cada minúsculo detalhe do seu corpo. Das pequenas linhas rosas de cicatrizes da infância, do desenho dos músculos nas costas, do formato estranhamente delicado dos seus dedos dos pés e a tonalidade estupidamente uniforme do seu tom de pele rosado e levemente amarelado.

Ele sabia também que a paz gerada nas ultimas horas e talvez até nas ultimas semanas, ignorando os efeitos colaterais da batalha com o avatar de Samael, estavam contadas. Eles não poderiam perder mais tempo, havia muita coisa para ser feita e muito trabalho para que Kia libera-se seu primeiro par de asas. O que era imprescindível. Todavia, naquele especifico e único momento Ambrose foi obrigado a aceitar que ambos pareciam, quase estupidamente humanos, como ele sempre sonhará em alcançar.

– Você precisa acordar.

Comentou, soprando as palavras no ouvido de Kia. Seu celular estava vibrando a manhã toda, e Ambrose sabia que ele tinha problemas para resolver em casa. De certo modo, ele estava curioso para saber como Darrell Moyer iria lidar com a situação.

– Estou deliberadamente ignorando um problema.

Kia respondeu se virando para tocar o seu nariz ao de Ambrose.

– Se o pai do Skye tem metade da perseverança do filho, você já sabe que não vai adiantar fugir.

Acrescentou e era verdade, Skyler era uma das pessoas mais obstinadas que Ambrose havia cruzado durante seus anos na Terra. Mesmo que o foco e ambições do rapaz não estivessem sempre nos melhores lugares, Skye era capaz de quase qualquer coisa para conseguir o que queria.

Véu dos Mundos, vol. II - Chamas InfernaisOnde histórias criam vida. Descubra agora