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Seus dedos formigam, o braço direito dormente sob o corpo. Uma pontada de dor na testa a faz erguer o outro braço. Antes que possa encontrar coerência em seus pensamentos, a tosse dispara, a garganta ardendo com a sensação de uma linha dura que a atravessa até os pulmões. Só então a memória retorna, viva e em cores, lembrando-a da garota que a tinha estrangulado em sua cama.

Seu corpo automaticamente dobra em posição de defesa enquanto vasculha o quarto, procurando pela vilã que a havia feito desmaiar.

Helena está com uma expressão pensativa e triste, sentada com as costas apoiadas na parede mais distante, a faca em sua mão pendendo debilmente entre os joelhos dobrados. Seus olhos buscam o rosto de Pandora, o direito dando a impressão de demorar um milésimo de segundo a mais para acompanhar o movimento certeiro do esquerdo.

Pandora olha para as mãos e pernas. Tateia o pescoço, ergue brevemente a camisa para verificar o tronco. Sem contar os hematomas que brotam em sua pele clara, nada surpreendentes depois do conflito de forças entre as duas, não há qualquer outra marca. A faca de Helena continua prateada, sem nenhuma mancha de sangue visível a seus olhos míopes.

- Por que você desistiu? – ela questiona, a voz rouca queimando para sair.

Helena balança a faca num gesto deprimente.

- Eu não consegui.

- Por quê?

A garota suspira com irritação, erguendo o rosto para o teto e encostando a nuca na parede.

- Você estava indefesa. Eu não gosto de machucar pessoas que não podem se defender.

Pandora senta sobre a cama, sentindo o calor que percorre o braço dormente conforme o sangue volta a circular em suas veias.

- Eu estava indefesa desde o começo. O que te fez mudar de ideia?

- Não interessa. Cale a boca antes que eu mude de ideia de novo.

- Quem te mandou aqui?

Um riso sombrio escapa dos lábios rosados de Helena. Ela sacode a cabeça com escárnio.

- Nada de interrogatórios, impostora. Não se esqueça que quem está com a faca na mão ainda sou eu. Você fica quietinha aí.

- O que vai fazer?

Helena não consegue disfarçar a dúvida que desponta em seu rosto. Ela corre os dedos pelos fios ruivos do cabelo, sem largar a faca, que desliza a uma curta distância sobre sua pele.

- Você ficou cercada, não ficou? – Pandora continua, a incerteza da outra lhe dando mais coragem – Alguém mandou você me matar, e agora não pode sair daqui e me deixar viva.

- É claro que eu posso sair. Posso sair a hora que eu quiser.

Agora é Pandora quem ri, um som que ela mesma não ouvia há anos.

- Então saia.

Helena bate a nuca contra a parede, trincando os dentes em frustração.

- Não consigo. – murmura.

- Por que não?

- A merda da sua janela emperrou.

Pandora vira para ver a janela. O suporte de madeira que segura o vidro está aberto pela metade. O vão seria suficiente para que uma pessoa magra como ela passasse, mas seria impossível para Helena, com seu corpo robusto.

- Tentou a porta?

- Pra sair lá fora e dar de cara com seus amiguinhos? Nem ferrando.

- E o que vai fazer então?

- Eu não sei, está bem?! Pare de me perguntar tudo! Você devia me agradecer que não te matei.

- Você não queria me matar.

- Se continuar me provocando, talvez eu passe a querer.

- Quem te mandou aqui?

- Eu já disse para calar sua boca.

- Camilo disse que você é da Ponte, - prossegue Pandora, sem se intimidar com as ameaças – a Ponte não quer me matar, disso eu sei.

- Você tem um cérebro? Que legal! Continue usando e talvez em breve você perceba o óbvio, Sacerdote. Não, a Ponte não quer te matar. A que conclusão isso te leva?!

Os olhares das duas se prendem novamente. Pandora sente seu rosto esquentar conforme a compreensão a atinge. Helena reage apenas com um sorriso afiado.

O pavor a preenche enquanto a garota sentada no chão de seu quarto se transfigura em sua mente, assumindo sua real forma.

Tão tangível quanto a realidade, a imagem de Helena cresce em sua imaginação, o par de olhos assimétricos encobertos por uma máscara negra, a pele pontilhada de sardas escondida por uma túnica, a voz levemente áspera e melódica distorcida para um guincho eletrônico idêntico a todos eles, a todos os...

- Surdos!

Pandora cobre a boca com uma das mãos, tomada de terror.

- Você é uma Surda infiltrada na Ponte, então deve ser uma agente dupla colocada aqui por eles! Isso quer dizer que...

O sorriso maldoso de Helena brilha em seus dentes quase bestiais:

- Isso quer dizer exatamente o que você está pensando. Quer dizer que você não pode contar com a ajuda de ninguém, impostora. Porque você está sozinha. Sozinha no Palácio, que está transbordando de inimigos seus. Nós estamos por toda parte. Nós invadimos.

 Nós invadimos

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Pandora (COMPLETO) - Livro III - Trilogia DantálionOnde histórias criam vida. Descubra agora