Dois vultos negros caminham apressadamente pela floresta, suas passadas descuidadas estalando gravetos e zunindo nas folhas verdes.
- Parados! Tirem as máscaras! – Malphas grita, mirando sua arma num deles enquanto Helena aponta o segundo.
- Segure seu fogo, mulher explosiva.
O rosto zombeteiro de Bruno aparece, sorrindo. Helena não abaixa a arma até que Lúcio tire seu disfarce, ambos trocando olhares de desconfiança.
- Não acredito que vocês deixaram ele escapar! – o antigo Sacerdote estoura, dobrando os joelhos e cobrindo o rosto com as mãos. Uma trilha de suor faz sua pele brilhar sob a claridade fraca da lanterna. Lúcio não está apenas louco. Está perigosamente transtornado.
- Ele não estava sozinho. – discorre Helena, usando um tom de voz ameno para tentar acalmá-lo – E pelo visto ele estava preparado.
- Devíamos ter ateado fogo em todos. – Bruno suspira, seu sorriso bem humorado tornando-se sombrio.
- Você mataria todos eles por causa de uma pessoa? Inclusive nós três?
- A ideia passou pela minha cabeça, Pandora. E me arrependi de não ter ido atrás dela...
- Você é um cretino! Não me admiraria se tivesse nos traído!
- Ele não nos traiu. – Helena intervém, colocando-se entre os dois – Ninguém nos traiu dessa vez. Nós fomos idiotas, só isso.
- Você foi idiota. – Pandora a empurra com raiva – Eu já imaginava que ele não estaria sozinho.
- E por que não me disse nada, impostora? Quer dizer então que a única pessoa que nos traiu hoje à noite foi você?
Os olhos díspares se fixam nela, atingindo seus sentimentos. A personalidade de Helena havia se alterado drasticamente, e ela já não precisava de sua agressividade para ferir a quem quisesse. A sinceridade e mágoa em sua voz e seu olhar já eram por si sós suficientes para quebrar qualquer um. Sem dizer mais uma palavra, ela faz Pandora engolir a própria raiva, o peso de sua culpa a esmagando.
- O que faremos agora?
- O Palácio está em chamas. – Lúcio sorri parcialmente, metade com prazer, metade com pesar – As coisas não vão voltar ao normal. O mais certo é que ele virá atrás de nós para nos matar. O que vai acontecer depois, nem mesmo os céus sabem... Só sei que precisamos encerrar isso de alguma forma antes que seja o fim para nós.
- Vamos achar aquele maldito e rachar seu crânio ao meio. – Bruno desliza as mãos com deleite pelo fuzil que tem consigo – Depois eu quero que essa cidade se exploda. Devíamos ter estourado tudo de uma vez. Problema resolvido.
Ele lança um sorriso cruel para Pandora. A garota desvia o rosto.
- Eu não sei. – Lúcio retira a mochila com os equipamentos que haviam usado, arremessando-a com desgosto ao pé de uma árvore – Estou cansado. Estou cansado e infeliz, e não quero fazer nada agora. Vamos passar a noite aqui.
- Vocês não estão falando sério, estão? – Helena percorre o rosto de cada um deles, lendo suas expressões.
Lúcio está mais abatido que de costume, a testa e o nariz fustigados pelas chamas. Bruno ri com insanidade, divertindo-se com alguma ideia secreta que tinha grandes chances de envolver assassinatos em massa. Malphas mantém os olhos fixos nos sapatos, frustrada demais para ocupar-se com a própria respiração. E Pandora, isolada como sempre, mordia os lábios com impaciência, seus pés se esticando e flexionando quase involuntariamente no intuito de fugir. Além dos quatro, a presença pesada da noite era quase um quinto elemento, seus braços infinitos e seu semblante maldoso sobrepujando a todos. Qualquer desejo de lutar havia acabado ali. Qualquer esperança havia sucumbido ao fracasso. Ninguém mais tinha condições para dar sequer uma gota de sangue.
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Pandora (COMPLETO) - Livro III - Trilogia Dantálion
Science FictionAnos após a fracassada Revolução Surda, a filha de Lúcio é trazida ao Palácio para assumir seu lugar como Sacerdote, numa tentativa de conter a violenta guerra civil entre Surdos e Reformadores. O problema é que mulheres não podem ser Sacerdotes, e...