- Helena? - apoiando os cotovelos sobre a lateral da maca, Pandora ergue parcialmente o corpo do chão, aproximando a boca de onde o ouvido da outra deve estar - Eu preciso falar com você. – sussurra no escuro.
- Você sabe que eles podem nos ouvir, não sabe? E aposto que estão. Principalmente o psicopata do seu pai.
Pandora inclina a cabeça, prestando atenção ao som das respirações ritmadas dos outros três que dormem sobre o chão em alguma parte do cômodo.
- Eu sei. Não me importo que ouçam.
- Está bem. Seja breve, então. Eu quero dormir. Minha perna está parecendo um formigueiro.
Ela suspira, seus olhos sem referência alguma para buscar.
- Eu sinto muito por você ter se machucado. A culpa foi minha por não atacar na hora que deveria.
- Você agiu muito mal. – mesmo baixo, o tom de reprovação de Helena é perceptível – Não pode deitar e chorar enquanto alguém mira um fuzil em você. Você tem sorte de estar viva e inteira. Sério. Eu pensei que não poderia te ajudar dessa vez. Por um momento eu tive certeza de que era o fim.
- Eu sinto muito.
- Sente nada. Você é só uma garota idiota que foi parar no lugar errado.
Pandora tenta protestar, mas é surpreendida quando Helena prende os dedos em seu cabelo, puxando-a com violência.
- Você, impostora, não faz ideia de onde se meteu. Este não é seu lugar, e esta não é sua luta. Você deveria aproveitar que tem as duas pernas funcionando e correr por aquela porta agora mesmo. Você não é uma de nós, e vai morrer tentando se encaixar onde não pertence.
O hálito sonolento de Helena atinge seu rosto, quente e raivoso:
- Você está procurando amor e aceitação, eu sei, e isso é muito nobre. Mas aqui, garota, ninguém te ama, e ninguém dá a mínima se você morre ou vive. Nem mesmo seu pai se importa com você. E eu também não. Vá embora, antes que seja tarde. Você sabe que não é capaz de matar alguém, e eu não vou te proteger de novo.
Lágrimas pingam sobre o lençol da maca. Mesmo sem ver, Pandora tem certeza de que Helena pode ouvir os leves baques das gotas perto de seu rosto.
- Vou te contar mais uma coisa, Pandora. – ela aperta seu cabelo dolorosamente – Eu não vou chorar no seu funeral. Nem mesmo uma lágrima. Então poupe as suas. Não sei que tipo de afeição idiota você sente por mim, mas eu garanto que vou acabar com isso amanhã.
- Por favor, você está me machucando...
- Você sabe por que eu te machuco? – ela se apoia sobre um cotovelo, seus rostos quase se tocando – Eu te machuco porque você merece sofrer. Porque você deseja sofrer e deixa que os outros te machuquem. E também porque eu não gosto e nunca gostei de você. Você nem mesmo deveria estar aqui. Eu devia ter acabado com você quando tive a chance na primeira vez.
- Ela não vai cair nessa, Helena. – a voz de Lúcio se materializa da escuridão – A menos que você pretenda enfiar a cabeça numa guilhotina amanhã, você pode cortar essa baboseira. Você é péssima nisso. Você não convence ninguém. Ela não vai ficar de coração partido e fugir, do jeito que você pretendia. Ela é muito mais inteligente que isso. Pare com seu sacrifício de nobreza e aceite que ela vai se arriscar por você do mesmo jeito que você vai se arriscar por ela. Quer fazer algo bom por ela? Pare de encher sua cabeça com um monte de mentiras e vá dormir.
Um riso abafado pelo lençol escapa.
- Lúcio... Você realmente acha que pode saber a verdade no escuro?
- Eu não preciso ver esses seus olhos horríveis para saber que está mentindo. Já te disse que sei lidar com gente do seu tipo. Você não pode manipular emoções quando são suas emoções que te manipulam, e você está completamente fora de si no momento.
- Vá se ferrar.
Antes de soltá-la, Helena a puxa repentinamente, seus lábios se tocando em silêncio por uma fração de segundo.
- Está satisfeita, impostora?
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Pandora (COMPLETO) - Livro III - Trilogia Dantálion
Science FictionAnos após a fracassada Revolução Surda, a filha de Lúcio é trazida ao Palácio para assumir seu lugar como Sacerdote, numa tentativa de conter a violenta guerra civil entre Surdos e Reformadores. O problema é que mulheres não podem ser Sacerdotes, e...