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- Eu vou te cobrir enquanto você entra. Não saia do Templo. Vou procurar Cérbero e avisar que estamos aqui. Ele saberá o que fazer.

- Como você sabe onde ele está?

- Ele me disse daquela vez. Acredito que ele esteja no controle de seja lá o que estiverem fazendo.

- Você confia nele?

- Não. Mas também não confio em ninguém, o que me obriga a apostar todas as fichas nele.

Helena fala baixo enquanto mantém os olhos fixos à frente, observando a cidade que dorme na escuridão através das folhas dos arbustos que as escondem. Dorme, pensa ela, como uma criança em seu berço. Uma criança que tem fuzis nas mãos e escutas nos ouvidos.

- Helena...

- O que foi?

Pandora pressiona as unhas no chão, sentindo folhas e talos estalarem entre os dedos.

- Quais as chances de vencermos?

- Não muitas. – ela sacode os ombros, voltando a escanear a entrada do Templo – Provavelmente uma de nós vai acabar morta. Eu estou torcendo para não ser eu.

Ela ri quase em silêncio, voltando o cotovelo para cutucar Pandora, que a encara com seriedade, sem encontrar graça na piada.

- Se quer mesmo que eu morra, você pode resolver isso agora. Tem uma arma aí. Não me faça perder tempo correndo até lá para morrer com um tiro do mesmo jeito.

O sorriso maldoso de Helena aflora em seus lábios.

- Você ficou mais durona. Eu gostei. Agora mostre que você tem alguma coisa dentro desse peito de tábua e corra até lá sem fazer barulho. Não tem ninguém por perto, mas mesmo assim precisamos ter cuidado. Você tem a adaga?

- Tenho. – ela ergue a mão com a arma – Mas não acho que vai servir para nada.

- Eu também não. É só um artifício psicológico para te fazer sentir menos vulnerável. Mas, se o pior acontecer, enfie fundo e rasgue até embaixo. Ou então arranque o olho. Geralmente funciona. Agora corra.

Deslizando como um gato pelo meio das folhas (ou pelo menos tentando), Pandora dispara, mantendo as costas levemente abaixadas para não ficar exposta, os pés buscando caminhos entre as raízes retorcidas. Logo a pressão úmida da floresta desaparece, e seus calcanhares batem contra o chão de mármore. Não há mais razão para se abaixar, qualquer um poderia vê-la a dezenas de metros de distância.

Ela se concentra na sensação de ter olhos em suas costas – os olhos estranhos de Helena – para manter o foco enquanto rola para cima do palanque, raspando as costas pela parede lateral do Templo até chegar às portas, levemente abertas. Seu corpo esguio passa facilmente pela abertura estreita.

Dentro do Templo, ela apoia as mãos sobre os joelhos, respirando o ar malcheiroso e abafado. No escuro quase completo, a única luz que chega é um reflexo pálido da lua nas paredes de mármore azul. Ela observa como a luz fantasmagórica tinge sua pele de um tom cadavérico. Talvez Helena estivesse certa. Talvez fosse ela a destinada a morrer.

Ela ergue o rosto, varrendo todas as direções com os olhos forçosamente abertos, tentando definir o que a incomoda.

O silêncio no Templo e fora dele é absoluto. Nada acontece. Nada se move. Como se nada estivesse se passando, como se a corrida desenfreada por sua vida fosse desnecessária.

Fácil demais, segura demais...

Helena não estava nem um pouco insegura. Apesar de sua frieza no manejo de armas, era óbvio que uma situação realmente perigosa a deixaria pelo menos tensa. Ela não estava tensa. Ela estava tranquila, fazendo piadas, sem se preocupar com o que iria suceder após a corrida, confiando cegamente nas palavras de um homem que não conhecia, sem sentir qualquer gota de medo, mesmo dizendo que uma delas iria acabar morta...

"E estou torcendo para não ser eu."

A verdade a atinge como um relâmpago, inundando o vazio do Templo com sua luminosidade amarga e dolorosa. As sombras se movem.

De trás dos escombros surgem as figuras negras, acendendo lanternas, seus rostos ocultos sob as máscaras. Eles a cercam pelo fundo e pela lateral do Templo, deixando livre apenas a passagem do portal.

Virando-se para correr, Pandora se depara com Helena fechando a porta atrás de si.

Seus lábios tremem, empalidecendo. Ela sacode a cabeça várias vezes, dando passos falhos para trás, sem desviar os olhos dos olhos de Helena, que a encaram com seriedade e impessoalidade, como se não a conhecessem.

A mágoa corrói seu coração enquanto os Surdos riem baixo, fechando o círculo.

Ela não se volta para vê-los. Se tivessem armas apontadas para ela, não se viraria para ver. Permanece olhando fixamente para a garota ruiva que avança lentamente em sua direção.

Um dos Surdos passa entre elas, entregando-lhe um objeto. Helena ergue a mão direita, o cano de uma arma assomando sobre seus dedos.

Pandora continua a sacudir a cabeça freneticamente, seus lábios se movendo em silêncio, murmurando centenas de palavras mudas.

- Você achou mesmo que nós mandaríamos uma principiante para essa missão, Sacerdote? – ecoa a voz distorcida de uma das máscaras – Eu lhe apresento nossa melhor estrategista, com experiência em manipulação emocional e um alto grau de desempenho em estratégias políticas.

O Surdo dá alguns passos, pousando as mãos sobre os ombros de Helena com intimidade.

- Nunca falhou em nenhuma missão. Sempre nos surpreendeu com métodos brilhantes para desviar dos obstáculos.

Pandora o ignora, ainda olhando fundo nos olhos de Helena.

- Você disse que eu era como uma irmã... – sussurra fracamente, suas pernas tremendo.

- Não leve para o lado pessoal, impostora. Isto é a guerra.

Com as mãos tremendo, Pandora puxa a adaga de sua cintura. Os Surdos avançam mais, estreitando o círculo, prontos para detê-la.

Para surpresa de todos, Pandora não a ataca. Ela solta a lâmina sobre o chão. O metal reverbera por alguns segundos enquanto ela se ajoelha sobre o mármore, sem deixar os olhos de Helena.

- Eu não sou uma guerreira. Eu me recuso a lutar.

É possível sentir a hesitação no rosto de Helena. Ela aperta a pistola em suas mãos com mais força, engolindo ruidosamente antes de caminhar para a frente, enfiando o cabo de metal através da boca de Pandora.

- Eu sinto muito.

Pandora encontra coragem para erguer sua voz bloqueada pela arma, fazendo-a ecoar com ódio pelas paredes vazias do Templo:

- Mentirosa!

Ela puxa o gatilho, observando com desconforto enquanto o rosto de Pandora tomba sobre o chão, seus lábios abrindo e fechando uma última vez para sussurrar uma palavra inaudível.

Ela puxa o gatilho, observando com desconforto enquanto o rosto de Pandora tomba sobre o chão, seus lábios abrindo e fechando uma última vez para sussurrar uma palavra inaudível

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Pandora (COMPLETO) - Livro III - Trilogia DantálionOnde histórias criam vida. Descubra agora