— Joan, vamos logo, amor! — Shawn grita do andar debaixo.
— Já vou! — Respondo gritando também.
Ajeito os fios castanhos que caem em meus ombros. Hoje é o dia. Hoje é realmente o dia. Espero por esse momento há anos. Conheci Shawn quando tinha vinte e um. Tinha acabado de me mudar para uma casa nova, depois de ter me formado em moda. Ele era meu vizinho barulhento que escutava rock no volume máximo toda noite, exatamente na hora que me deitava para dormir.
Ficava exausta depois de horas trabalhando no ateliê da minha tia Lucinda, chegava em casa ansiosa para tomar um banho e poder descansar, mas aquele barulhento arrogante me impedia disso. Fiquei tão irritada uma noite que, de pijama azul com bolinhas amarelas e pantufas de coelhinho, bati em sua porta como se fosse quebrá-la, afim de reclamar do som. Mas, quando ele a abriu e nossos olhares se encontraram, perdi a noção do que ia dizer. Aqueles olhos verdes penetraram fundo nos meus e me causaram uma sensação que jamais havia experimentado antes. Para um rockeiro, seu visual não era nada do que eu esperava. Sem barba, cabelo bem ajeitado... Ele era lindo. Continua sendo.
Tive que obter muita coragem para quebrar o contato visual e pedir, gentilmente, que ele abaixasse o volume porque eu precisava dormir. Shawn sorriu de lado e respondeu que por uma moça bonita e de pantufas de coelho como eu, ele faria qualquer coisa. Eu com certeza fiquei mais vermelha que uma cereja. Agradeci a ele totalmente sem jeito e praticamente corri para casa.
Depois daquele primeiro encontro, nos encontramos outras vezes quando eu ia para o ateliê e ele me implorava para deixá-lo me acompanhar, já que seu trabalho ficava no caminho. Ele trabalhava em uma loja de gibis, coincidentemente, logo na esquina do ateliê. Foram dias indo trabalhar juntos e, aos poucos, nos apaixonando. Namoramos por dois anos antes de nos casarmos. Shawn fez sucesso com suas histórias em quadrinhos próprias e até conseguiu um empresário que se interessou e o ajudou a publicar. Casamo-nos em uma tarde de verão, no dia do nosso aniversário. Fazíamos aniversário no mesmo dia! Um tempo depois, começamos a tentar ter filhos, mas não tínhamos sucesso. Fizemos exames e não tinha que nos impedisse de ser pais.
Tivemos a ideia de adotar. Aliás, eu sempre quis adotar uma criança. Dar um lar e amor para alguém carente que desconhecia o que era isso, que foi abandonado, rejeitado ou simplesmente perdeu os pais era um sonho que eu e Shawn compartilhávamos. Mas, para a nossa surpresa, naquela semana engravidei.
Nossa filha se chama Paige, é uma mistura de nós dois. É extrovertida, entusiasmada e alegre como seu pai. Por outro lado, herdou os olhos negros como a noite da minha mãe. Apesar de ter a personalidade do pai, todos dizem que ela é a minha cópia, exceto pelo sorriso que lembra o do meu marido.
Mas, mesmo quando a ganhei, prometemos um ao outro que adotaríamos uma pessoinha, mais do que nunca. Imaginar nossa estrelinha abandonada em um abrigo ou orfanato, sem o nosso amor e carinho nos massacrava. Preferimos deixá-la crescer para colocar outra criança em casa, ou adolescente. Nunca tive preferência pela idade, sexo ou cor. Acreditava que o destino se encarregaria de pôr em nosso caminho quem seria nosso filho ou filha. Continuo acreditando.
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Feliz natal, Adam
Short StoryAdam é um garoto de quinze anos que vive em um abrigo desde os oito, quando seus pais o abandonaram e nem se deram ao trabalho de olhar para trás. Adam havia perdido as esperanças de ser adotado por uma família. Afinal de contas, os casais só têm ol...