2. A voz de uma criança

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Capítulo 2 | O Silêncio das Flores


Quando era criança, seu apelido no jardim de infância era Mudinha. Zoey nunca disse, mas sempre odiou esse apelido e tudo que se remetia a ele. A moça se recordava claramente do dia em que sua turma fazia um projeto escolar. Ela tinha cinco anos. Cada aluno ganhou uma muda de planta e os professores pediram para que todas as crianças desenhassem suas plantas em uma folha e dar-lhe algum nome. Zoey não se lembrava de qual nome havia colocado na sua planta, mas muitos sugeriram que colocasse seu próprio nome. Zoey. A Muda. Desde então, até a palavra que se remetia às pequenas plantinhas lhe deixava enojada.

Muda; do verbo mudar. Mudas, os pequenos brotinhos. Muda, aquela pessoa que não fala.

Talvez as três palavras de fato tivessem algo em comum. Plantas não falavam. E Zoey se sentia tão exposta e tão frágil quanto elas. Mesmo com suas flores, causava mistério para aqueles que a regavam.

Você precisa mudar, era o que mais escutava em sua pré-adolescência. Até as mudas se transformavam em enormes plantas. Enormes árvores. Belas flores coloridas. Mas Zoey não... Desde os três anos de idade, sofria toda vez que tentava falar com alguém – a não ser seus pais, os quais ela conseguia se comunicar normalmente.

Aquilo sempre fora um mistério para ela e para todos que conviviam com Zoey. Ninguém entendia por que ela conseguia falar normalmente com os pais e não com o resto. Nem com os tios e os avós – os quais ela nunca teve muita convivência. A reação de seu corpo diante à possibilidade respondia sua pergunta: com os pais, era como se houvesse um conforto. Não havia perigo ali. Estavam ali desde o momento em que nascera.

Era comum, na infância de Zoey, escutar de pessoas – principalmente adultos:

- O gato comeu sua língua?

A garota se encolhia toda vez que escutava isso. Aquela frase em particular a irritava. Não fazia sentido. Primeiramente, nem gato ela tinha. Ela ignorava e logo depois esquecia. Era fácil, na infância, fingir que se via como qualquer outra criança. Para ela e para os pais, era tímida demais. Apenas isso. Ela vai falar quando ela quiser, sua mãe dizia quando um dos colegas do Jardim de Infância perguntavam a ela.

Mamãe, o coração de Zoey queria gritar. O que eu mais quero é conseguir falar.

As crianças normalmente não julgavam tanto Zoey quanto os adultos. Os pequenos só queriam brincar. Os adultos, por outro lado, a enxergavam de outra forma.

Sempre tentavam aconselhar seus pais de alguma forma.

- Autista – ela já ouviu uma de suas tias dizer. – Como certeza ela é autista.

- Leve-a na igreja – um desconhecido havia dito ao ouvir a história dela. – Isso pode ser trabalho de algum obsessor. Jesus vai curar sua filha.

- Não se preocupem, isso é birra de criança - um psicólogo disse bem na frente de Zoey. – Isso vai passar com o tempo.

Ninguém realmente se dispôs a entender mais a fundo o caso da pequena Zoey. Por isso, os pais desistiram. E a garota cresceu sem nenhuma melhora. Quando entrou na adolescência, tudo começou a ficar ainda mais difícil. Expressar-se com o olhar ou com gestos não eram mais suficientes pra ela. As pessoas não eram mais tão tolerantes quando antes – nem mesmo os pais.

Por isso, era de se esperar que as cobranças seriam piores naquele ano que se iniciara. Dias após o começo das aulas, o pai a chamou para uma conversa. Seu semblante sério a deixou preocupada.

O Silêncio das FloresOnde histórias criam vida. Descubra agora